quarta-feira, junho 05, 2013

O GORDO, da canção dos ceguinhos, vem logo atrás do Baldo
JUBIABÁ

Episódio Nº 34


O Gordo balançava as banhas e estendia a mão suja, esperando a esmola que quase sempre vinha farta. As mulheres davam sempre, umas por piedade daqueles filhos da rua, pensando nos filhos que estavam no aconchego das casas.

Outras davam para se livrarem do cerco dos moleques sujos que valiam como uma acusação. As mais corajosas pilheriavam:

 - Então, como é…São sete e tem aí mais de dez… São órfãos e têm pai e mãe doente… ceguinhos e vêm tudo… Como é isto?

Eles não respondiam. Apertavam mais o cerco e o Gordo voltava a cantar a cantiga monótona:


“Esmola para sete ceguinhos…”

Nenhuma resistia. Os moleques iam-se aproximando cada vez mais e perto do rosto elegante e pintado das mulheres, ficava o rosto sujo e feio dos meninos. E era horroroso quando todas abriam a boca para o coro.

O Gordo parecia um professor e não parava a cantilena. As bolsas se abriam e as esmolas caíam na mão que o Gordo retirava do peito. Abriam o cerco e o Gordo agradecia:

 - A senhora vai ganhar um noivo bonito que vem num navio…

Muitas sorriam, outras ficavam tristes. E nas ruas e becos estreitos a gargalhada dos moleques, gargalhada livre e feliz. Depois compravam maços de cigarros e bebiam tragos de pinga.

Tinha um loiro. Era o mais moço. Talvez não tivesse ainda dez anos. Um rosto redondo de santo de andor, o cabelo encaracolado, as mãos ossudas, olhos azuis. Chamava-se Filipe e foi apelidado de Filipe, o Belo.

Não possuía nenhuma história a não ser que a mãe fazia a vida nos bordéis da Rua de Baixo, francesa velha que um dia se apaixonara por um estudante. Formado ele fora para a Amazónia. O filho se perdeu na rua e a mãe no álcool.

No dia em que engrossou no grupo houve frege grande. É que enquanto dormiam espremidos na porta de um arranha-céus, deitados em folhas de jornais, o Sem Dentes quis arriar as calças de Filipe, o Belo.

O Sem Dentes era um mulato forte de seus dezasseis anos. Cuspia por entre os cacos dos dentes, moleque malvado, abraçou Filipe e começou a baixar-lhe as calças. Filipe se estrebuchou e gritou.

Acordaram todos. António Balduíno esfregou os olhos e perguntou:

 - Que frege é este?

 - Ele está pensando que eu sou chibungo… Mas não sou não – Filipe queria chorar.

 - Por que você não deixa o menino em paz?

 - Não é da sua conta. Eu faço o que quero… Acho ele um bombonzinho.

 - Pois olhe, Sem Dentes, quem bulir no menino bole comigo…

 - Você quer é comer o menino sozinho… Assim não está direito.

António Balduíno se virou para os outros garotos que estavam na dúvida:


 - Vocês sabem que eu nunca quis comer ninguém. Eu só gosto de mulher. Se o menino fosse chibungo tá direito. Mas aí não ficava com a gente que a gente não quer fresco aqui

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