RICHARD DAWKINS |
POR QUE SOMOS BONS?
As flores não podem voar, por isso pagam
às abelhas o aluguer das suas asas e a moeda de pagamento é o néctar.
As guias-do-mel, aves da família indicatoridae, conseguem encontrar
colmeias mas não conseguem entrar nelas ao contrário dos ratéis e dos homens.
Então, as aves conduzem, através de um
voo atractivo, os ratéis ou o homem até ao mel e depois ficam à espera da
recompensa.
Estas relações mutualistas abundam no
reino dos seres vivos: búfalos e picanços, flores tubulares e beija flores,
garoupas e bodiões, etc.
O altruísmo recíproco funciona por causa
das assimetrias que há nas necessidades e nas capacidades de as satisfazer. É
por isso que funciona particularmente bem entre espécies diferentes onde as
assimetrias são maiores.
E nós, por que nos condoemos com o choro
de uma criança que sofre?
Por que sentimos compaixão por uma viúva
idosa em desespero devido à solidão?
O que nos provoca o impulso para
enviarmos uma dádiva anónima para as vítimas de um cataclismo que não
conhecemos nem viremos a conhecer e nunca nos retribuirá?
De onde vem o bom samaritano que vive em
nós?
Recordemos Einstein:
Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para
uma curta visita, sem saber porquê, contudo, parecemos adivinhar um objectivo.
No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o
homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos
sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade.
Será realmente pelos outros homens que
nós aqui estamos e terá isso alguma coisa a ver com a religião?
É por causa dela que somos bons?
Muitas pessoas religiosas consideram
difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer
ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da
religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles
que não professam a sua religião.
E assim, a religião, que se proclama
como fonte de inspiração para a bondade e o amor transforma-se, ela própria,
num imenso reservatório de ódio e maldade.
Brian Fleming, autor e realizador de um
documentário sincero e comovente em defesa do ateísmo recebeu uma carta em 21
de Dezembro de 2005 que rezava assim:
Decididamente, vocês têm cá uma lata! Adorava pegar numa faca e
esventrá-los a todos, seus idiotas, e gritar de alegria a ver as vossas
entranhas a derramarem-se à vossa frente. Vocês andam a ver se arranjam como
atear uma guerra santa em que um dia eu e outros como eu, possamos a vir ter o prazer
de passar aos actos como o atrás mencionado.
Chegado a este ponto o
autor da carta reconhece tardiamente que a sua linguagem não é muito cristã,
pois continua, agora num tom mais amistoso:
Contudo Deus ensina-nos a não procurar a vingança mas sim a rezar
pelas pessoas como vocês.
Mas a benevolência dura-lhe
pouco:
Vai consolar-me saber que o castigo que Deus vos há-de trazer
será mil vezes pior do que o que quer que seja que eu possa infligir. O melhor
de tudo é que vocês hão-de sofrer para toda a eternidade por estes pecados de
que estão completamente ignorantes. A ira de Deus não há-de mostrar
misericórdia. Para vosso próprio bem, espero que a verdade vos seja revelada
antes que a faca vos toque na carne. Feliz NATAL!!!
P.S: Vocês não fazem mesmo ideia do que vos está reservado…Eu
agradeço a Deus por não ser vocês.
Estas cartas rancorosas, de que esta é
apenas um exemplo, são mais comuns na América do Norte provenientes de pessoas
afectas a Igrejas de Cristo e a Seitas que proliferam por todos os EUA, mas a
carta que se segue, de Maio de 2005, é de um médico inglês e foi dirigida a
Richard Dawkins.
Depois de uns parágrafos introdutórios a
denunciar a evolução e a incitar o autor a ler um livro que defende que o mundo
tem apenas 8.000 anos (será que ele pode mesmo ser médico?) conclui:
“Os seus livros, o prestígio de que goza em Oxford, tudo o que
ama na vida, e tudo aqui lo que
alcançou são um exercício de total futilidade…A interpeladora pergunta de Camus
torna-se inescapável: porque não cometemos todos suicídio? Na verdade, a sua
visão do mundo tem esse tipo de efeito sobre os estudantes e em muitas outras
pessoas…que todos evoluímos por puro acaso, a partir do nada, e que a esse nada
voltaremos. Mesmo que a religião não fosse verdadeira, é melhor, muito melhor
acreditar num mito nobre, como o de Platão, se durante as nossas vidas ele
conduzir à paz de espírito.
Mas a sua visão do mundo leva à ansiedade, à toxicodependência,
à violência, ao niilismo, ao hedonismo, à ciência Frankenstein, ao inferno na
Terra e à terceira guerra mundial. Pergunto-me quão feliz será o senhor nas
suas relações pessoais? Divorciado? Viúvo? Homossexual? As pessoas como o
senhor nunca são felizes, caso contrário não se esforçariam tanto para provar
que não existe felicidade nem significado em nada.”
Segundo este médico inglês o Darwinismo
é intrinsecamente uma evolução ao acaso quando, a selecção natural, é
precisamente o oposto de um processo casual.
A evolução acontece à custa de
alterações genéticas que favorecem a sobrevivência da espécie e essa é a
essência da selecção natural de Darwin.
Muitas vezes, a selecção natural conduz
a “becos sem saída” e, nesses casos, a espécie extingue-se e esse foi o
desfecho de todas aquelas que hoje estudamos sob a forma de fósseis.
Os grandes dinossauros que noutros
tempos dominaram a vida sobre a Terra foram eliminados por alterações drásticas
e bruscas que lhes retiraram totalmente as possibilidades de sobrevivência
tendo-se aberto então caminho para a evolução de outras espécies que até aí não
tinham hipótese de evoluir.
Há cerca de sessenta milhões de anos,
após o desaparecimento dos grandes dinossauros, pequenos animais que viviam nas
florestas passaram a encontrar um espaço que até aí não dispunham.
Eram os antepassados dos mamíferos dos
quais, hoje, nós somos os seus mais recentes representantes.
Nada aconteceu por acaso.
Muitos cientistas sustentam que o nosso
sentido do certo e errado provêm do nosso passado darwiniano.
A Bondade e a Religião – Uma Lição que
nos é dada por Richard Dawkins que, apresenta, a este respeito, a sua versão:
- Em primeiro lugar temos os
comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o
carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio
mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os
defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são
comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
- Em segundo lugar temos um outro tipo
de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que
é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia por
Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem
entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está na
base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o
ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A
abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.
A selecção natural favorece os genes que
predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade
assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para
lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de
troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a
sua vez de o fazerem.
- Em terceiro lugar, os comportamentos
altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama
de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem
nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como
também por alimentarem essa reputação.
Reputação que não se restringe apenas ao
ser humano, de acordo com experiências recentemente feitas em animais,
nomeadamente peixes, e publicadas num artigo de R. Bshary e A. S. Grutter na
revista Nature de Junho de 2006.
- Em quarto lugar, o economista
norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo
israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à
vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação
implícita de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das tribos
do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma
abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior
pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através de
demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o
assumir de riscos pelo bem comum.
Temos então quatro boas razões
Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para
com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em
condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo.
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais
recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de
bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o
evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a
sobrevivência do grupo.
E não só para o altruísmo de base
parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência
com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a
reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os
nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu
próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora que a maior parte de nós vive
em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos
indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão
bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao
nosso?
É importante não transmitir uma ideia errada
sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma
consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são
regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes
que as criaram.
Vejamos um exemplo:
- No cérebro de um pássaro a regra
«cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e
deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de
preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos
e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de
pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode
também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade,
que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das que
existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são
outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já
não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade
de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do
cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa de
ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de
reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros
darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos ancestrais a melhor forma da
selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no
cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos num texto
anterior, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos
para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito
anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se
limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um
à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua
existência.
Se voltarmos novamente a pôr a questão
de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos
ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada
ter a ver com qualquer religião.
Richard Dawkins
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