(continuação)
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
Na edição de Dezembro de
2004 da Free Inqui ry, Tom Flynn,
director dessa excelente revista, reuniu um conjunto de artigos que documentam
contradições e lacunas clamorosas da bem-amada história do Natal.
O próprio Flynn faz uma
lista das muitas contradições entre Mateus e Lucas, os únicos evangelistas que
abordam a vida de Jesus. Robert Gillooly mostra como todas as componentes
essenciais à lenda de Jesus, que incluem a estrela no Oriente, o parto
virginal, a adoração por reis, os milagres, a execução, e ressurreição e a
ascensão, são todas retiradas de outras religiões já existentes na região do
Mediterrâneo e do Próximo Oriente.
Flynn sugere que o desejo de
Mateus de fazer cumprir as profecias messiânicas (a descendência de David, o
nascimento em Belém) para ir ao encontro dos leitores judeus acabou por colidir
frontalmente com o desejo de Lucas de adaptar o Cristianismo aos gentios pela
via do afloramento dos consabidos pontos sensíveis das religiões helenísticas
pagãs (o parto virginal, a adoração por reis, etc…). As contradições que daí
advêm são gritantes mas os fiéis sempre tenderam a fazer-lhes vista grossa.
Há muitos cristãos que levam
a Bíblia muito a sério como sendo um registo literal e rigoroso da História e,
portanto, como prova das suas crenças religiosas.
Na sua biografia de Jesus,
A.N. Wilson lança dúvidas quanto ao facto de José ter sido carpinteiro. A
palavra grega “tekton” significa, efectivamente carpinteiro, mas foi traduzida
da palavra aramaica “naggar”, que pode significar artesão ou homem erudito.
Esta é apenas uma das traduções
erradas da Bíblia sendo, porém, a mais famosa a tradução de “abmah”, termo
hebraico usado por Isaías para dizer jovem mulher, pelo grego “parthenos” (virgem).
Um lapso do tradutor que é
compreensível mas que deu origem à lenda absurda da virgindade da mãe de Jesus.
E a propósito de virgens,
Ibn Warraq, sustenta com grande humor que, na famosa passagem das 72 virgens
para cada mártir muçulmano, “virgens” é uma tradução errada de “uvas brancas e
cristalinas.
Ora, se esta rectificação
tivesse sido mais divulgada, quantas vítimas inocentes de missões suicidas não
teriam sido salvas?
O Evangelho de Tomé sobre a
infância de Cristo, por exemplo, contem inúmeros episódios anedóticos sobre
Jesus enquanto criança a abusar dos seus poderes mágicos, transformando os seus
colegas de brincadeira em bodes ou a dar uma ajuda ao pai, na oficina de
carpintaria, alongando por magia uma tábua.
Dir-se-á que afinal ninguém
acredita em histórias de milagres tão simplórias como as do Evangelho de Tomé
mas não há nem mais nem menos motivos para acreditar nos 4 Evangelhos canónicos.
Todos eles têm o estatuto de
lendas, de uma factualidade tão dúbia como as histórias do rei Artur e dos seus
cavaleiros da Távola Redonda.
Ninguém sabe quem foram os 4
evangelistas, mas é quase seguro que nunca conheceram Jesus pessoalmente e
muito do que escreveram não foi de modo algum uma tentativa de fazer história,
antes se limitaram a reelaborar e adaptar o Antigo testamento, uma vez que
estavam piamente convencidos de que a vida de Jesus teria de cumprir as profecias
do Antigo Testamento.
Embora Jesus tenha
provavelmente existido, na sua generalidade os estudiosos da Bíblia mais
conceituados não vêm o Novo Testamento como um registo fiável do que na
realidade aconteceu na História e irei dispensar-me de continuar a referir-me à
Bíblia como prova de qualquer tipo de santidade.
(continua)
(continua)
<< Home