sexta-feira, janeiro 17, 2014

.... dizer-lhe galanteios naquela tarde...
A MORTE E

A MORTE DE

QUINCAS

BERRO 

DÁGUA

Episódio Nº 14




Já naquela hora a notícia da inesperada morte de Quincas Berro Dágua circulava pelas ruas da Baía. É bem verdade que os pequenos comerciantes do Mercado não fecharam suas portas em sinal de luto.

Em compensação, imediatamente aumentaram os preços dos balangandãs, das bolsas de palha, das esculturas de barro que vendiam aos turistas, assim homenageavam o morto.

Houve nas imediações do Mercado ajuntamentos precipitados, pareciam comícios relâmpago, gente andando de um lado para o outro, a notícia no ar, subindo o Elevador Lacerda, viajando nos bondes para a Calçada, ia de ónibus para a Feira de Santana.

Debulhou-se em lágrimas a deliciosa negra Paula, ante o seu tabuleiro de beijus de tapioca. Não viria Berro Dágua, naquela tarde dizer-lhe galanteios naquela tarde torneados, espiar-lhe os seios vastos, propor-lhe indecências, fazendo-a rir.

Nos saveiros de velas arriadas, os homens do reino de Iemanjá, os bronzeados marinheiros, não escondiam a sua decepcionada surpresa: como pudera acontecer essa morte num quarto do Tabuão, como fora o “velho marinheiro” desencarnar numa cama?

Não proclamara, peremptório, e tantas vezes, Quincas Berro Dágua, com voz e jeito de convencer ao mais descrente, que jamais morreria em terra, que só um túmulo era digno da sua picardia: o mar banhado de lua, as águas sem fim?

Quando se encontrava, convidado de honra, na popa de um saveiro, ante uma peixada sensacional, as panelas de barro lançando olorosa fumaça, a garrafa de cachaça passando de mão em mão, havia sempre um instante, quando os violões começavam a ser ponteados, em que seus instintos marítimos despertavam.

Punha-se de pé, o corpo gingando, dava-lhe a cachaça aquele facilante equilíbrio dos homens do mar, declarava sua condição de «velho marinheiro».

«Velho marinheiro» sem barco e sem mar, desmoralizado em terra, mas não por culpa sua. Porque para o mar nascera, para içar velas e dominar o leme de saveiros, para domar as ondas em noite de temporal.

Seu destino fora truncado, ele, que poderia ter chegado a capitão de navio, vestido de farda azul, cachimbo na boca. Nem mesmo assim deixava de ser marinheiro, para isso nascera de sua mãe Madalena, neta de comandante de barco, era marítimo desde seu bisavô e se lhe entregassem aquele saveiro seria capaz de conduzi-lo mar afora, não para Maragogipe ou Cachoeira, ali pertinho, e, sim, para as distantes costas da África, apesar de jamais ter navegado.

Estava no seu sangue, nada precisava aprender sobre navegação, nascera sabendo. Se alguém na selecta assistência tinha dúvidas, que se apresentasse… Empinava a garrafa, bebia em grandes goles.


Os mestres de saveiro não duvidavam, bem podia ser verdade. No cais e nas praias os meninos nasciam sabendo as coisas do mar, não vale a pena buscar explicações para tais mistérios.

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