sábado, junho 21, 2014

O senhor não deixa de ter razão, senador...
OS VELHOS
 MARINHEIROS

(Jorge Amado)

Episódio Nº 112










À mesa do comandante, onde Clotilde ocupara o lugar vago com o desembarque do Deputado Othon em Recife, chegavam os ecos do debate.

O senador movia-se inquieto como se as espadas gaúchas, comandadas pelo General João Francisco, como anunciava o segundo piloto, já lhe ameaçassem o pescoço.

A discussão começou a estender-se às outras mesas. Dona Domingas, mãe de ministro e de deputado federal, replicou da mesa do comandante, opondo às lanças e espadas da cavalaria do Rio Grande do Sul, os clavinotes e as repetições da jagunçada nordestina:

- Com dois ou três bandos de cangaceiros a gente termina com essa farofa toda. Para seu General João Francisco basta Lampião... Não precisa nem oficial do Exército, com farda e galão.

Aliás, esses alemães e italianos do Sul, essa gringalhada, está mesmo precisando de uma lição... sua voz clara e enérgica dominava e reduzia a silêncio os contendores, acostumada a ordenar. Mesmo o filho ministro curvava-se à sua vontade, quando ela, saindo de sua calma habitual, elevava o tom da voz e decidia.

- Somos tão brasileiros como os melhores... - replicou o segundo-piloto.

Os estudantes, em geral, eram pela Aliança, repetiam tropos de discursos dos oradores getulistas, falavam em renovação do país, mudança de mentalidade, em necessárias reformas.

O senador, pouco desejoso de envolver-se na polémica, sorria superior e pálido. Curvou-se para o comandante que se conservava neutro, preocupado em servir Clotilde... e perguntou-lhe em voz baixa:

- Desde quando a Costeira, empresa subvencionada pelo governo, emprega agitadores?...

- Não sei, senador. Como já tive a honra de lhe informar, não pertenço aos quadros da Costeira. Estou apenas a lhes fazer um favor, levando o navio até Belém...

- É verdade, tinha me esquecido... De qualquer maneira, não me parece bem um oficial de bordo ficar na mesa a fazer comício, incitando os passageiros, ameaçando a ordem pública. Afinal sou Senador da República, pertenço ao governo, e aquele jovem está pregando a revolução, o fechamento do Senado e da Câmara, o assassinato das autoridades...

- O senhor não deixa de ter razão, senador...

A discussão prosseguiu após o jantar, no salão onde os jovens pretendiam dançar, despedindo-se daqueles que ficariam em Natal na manhã seguinte.

Em cadeiras, num canto, um grupo clamava contra o Presidente da República, a situação do país, o custo da vida, as eleições sempre fraudadas, a necessidade de uma renovação. Indignado, o senador retirara-se.

O segundo-piloto era o mais exaltado de todos. “Aqueles sem vergonhas iam ver. Roubassem nas próximas eleições, impedissem a bico de pena a vitória do candidato da Aliança Liberal, e os resultados não tardariam.

O povo não estava mais disposto a aturar a tirania, a sustentar vagabundos no Parlamento. Os clarins de guerra soariam no Rio Grande conclamando os brasileiros. Lanças e espadas...”

Um camareiro interrompeu sua brilhante peroração:

- O Comandante está chamando o senhor aí fora...

- Vou já...

Atravessou rapidamente Santa Catarina e Paraná, Isidoro e Miguel Costa já haviam levantado São Paulo, e entrou o segundo-piloto, ao lado de Flores da Cunha e João Francisco, no Rio de Janeiro.

Foi atender de má vontade ao chamado do comandante, “que diabo quer esse bestalhão?” Logo agora, quando a mameluca não tirava os olhos dele...

Meu jovem amigo, não tenho nada contra suas ideias...

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