O senhor não deixa de ter razão, senador... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 112
À mesa do comandante, onde Clotilde
ocupara o lugar vago com o desembarque do Deputado Othon em Recife, chegavam os
ecos do debate.
O senador movia-se inqui eto como se as espadas gaúchas, comandadas pelo
General João Francisco, como anunciava o segundo piloto, já lhe ameaçassem o
pescoço.
A discussão começou a estender-se às
outras mesas. Dona Domingas, mãe de ministro e de deputado federal, replicou da
mesa do comandante, opondo às lanças e espadas da cavalaria do Rio Grande do
Sul, os clavinotes e as repetições da jagunçada nordestina:
- Com dois ou três bandos de cangaceiros
a gente termina com essa farofa toda. Para seu General João Francisco basta
Lampião... Não precisa nem oficial do Exército, com farda e galão.
Aliás, esses alemães e italianos do Sul,
essa gringalhada, está mesmo precisando de uma lição... sua voz clara e
enérgica dominava e reduzia a silêncio os contendores, acostumada a ordenar.
Mesmo o filho ministro curvava-se à sua vontade, quando ela, saindo de sua
calma habitual, elevava o tom da voz e decidia.
- Somos tão brasileiros como os
melhores... - replicou o segundo-piloto.
Os estudantes, em geral, eram pela
Aliança, repetiam tropos de discursos dos oradores getulistas, falavam em
renovação do país, mudança de mentalidade, em necessárias reformas.
O senador, pouco desejoso de envolver-se
na polémica, sorria superior e pálido. Curvou-se para o comandante que se
conservava neutro, preocupado em servir Clotilde... e perguntou-lhe em voz baixa:
- Desde quando a Costeira, empresa
subvencionada pelo governo, emprega agitadores?...
- Não sei, senador. Como já tive a honra
de lhe informar, não pertenço aos quadros da Costeira. Estou apenas a lhes
fazer um favor, levando o navio até Belém...
- É verdade, tinha me esquecido... De
qualquer maneira, não me parece bem um oficial de bordo ficar na mesa a fazer
comício, incitando os passageiros, ameaçando a ordem pública. Afinal sou
Senador da República, pertenço ao governo, e aquele jovem está pregando a
revolução, o fechamento do Senado e da Câmara, o assassinato das autoridades...
- O senhor não deixa de ter razão,
senador...
A discussão prosseguiu após o jantar, no
salão onde os jovens pretendiam dançar, despedindo-se daqueles que ficariam em
Natal na manhã seguinte.
Em cadeiras, num canto, um grupo clamava
contra o Presidente da República, a situação do país, o custo da vida, as
eleições sempre fraudadas, a necessidade de uma renovação. Indignado, o senador
retirara-se.
O segundo-piloto era o mais exaltado de
todos. “Aqueles sem vergonhas iam ver. Roubassem nas próximas eleições,
impedissem a bico de pena a vitória do candidato da Aliança Liberal, e os
resultados não tardariam.
O povo não estava mais disposto a aturar
a tirania, a sustentar vagabundos no Parlamento. Os clarins de guerra soariam
no Rio Grande conclamando os brasileiros. Lanças e espadas...”
Um camareiro interrompeu sua brilhante
peroração:
- O Comandante está chamando o senhor aí
fora...
- Vou já...
Atravessou rapidamente Santa Catarina e
Paraná, Isidoro e Miguel Costa já haviam levantado São Paulo, e entrou o
segundo-piloto, ao lado de Flores da Cunha e João Francisco, no Rio de Janeiro.
Foi atender de má vontade ao chamado do
comandante, “que diabo quer esse bestalhão?” Logo agora, quando a mameluca não
tirava os olhos dele...
Meu jovem amigo, não tenho nada contra
suas ideias...
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