Completara catorze anos na estrada |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 202
Ao ouvi-lo, Diva se conteve. Ficou
séria, sentiu-se em paz e confiante. Voltou-se para Vanjé e enxergou nos olhos
ressabiados da Mãe uma fagulha de esperança a reacender-lhe o ânimo.
O rosto de Ambrósio estava iluminado. De
onde provinham essa paz marcando o término da jornada e da injustiça, essa
crença no futuro?
Faíscas estalavam na forja, o fogo aceso
levantava labaredas. Plantado diante da bigorna, riso festivo, de bom, augúrio,
o negro parecia um animal de grande porte, sobranceiro, uma árvore majestosa,
símbolos de força e da mansidão, um ser alegre e transparente.
Diva voltou a rir mas já não era um só
estabanado de menina, era um sorrir acanhado de moça, quase furtivo.
Castor qui s
adivinhar-lhe a idade, ficou em dúvida. Franzina , as pernas uns gambitos, as
tranças duras de poeira, a incontida gargalhada, menina ainda.
Mas, sob o vestido, os seios afirmavam-se
atrevidos, e, no rosto, os olhos eram cismarentos, fugidios, o sorriso
dissimulado, a expressão pensativa: de repente afigurava-se bem mais velha,
moça feita.
Tanto podia ter apenas treze anos como
dezasseis ou dezassete.
O negro os acompanhou até a casa de
Fadul Abdala, casa de morar e casa de negócio. Diva ia a seu lado, os olhos
baixos. Os de Tição fitavam de frente, francos e comunicativos. Abanando a cauda,
Alma Penada, juntou-se à caravana.
2
Completara quatorze anos na estrada, não
fosse Vanjé ninguém teria se lembrado. No sítio, nos bons tempos de Maroim, comemoravam
os aniversários, melhoravam a bóia do jantar, havia bolo de carimã ou de aipim,
e se a data caía num domingo ou em dia santo, o almoço era festivo, com a
presença de vizinhos e compadres.
Quem sabe, por ocasião dos qui nze anos voltassem a festejar, instalados naquele
lugar para onde se dirigiam a conselho do homem a cavalo, armado em guerra, que
se dissera capitão.
Na poeira e no cansaço da caminhada,
somente Vanjé se recordara.
Por ser mãe e por estar preocupada com o
crescimento da filha mais moderna. Raquítica, magricela, não botava formas, como
se tivesse parado de desenvolver-se: tardava demais a desabrochar.
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