sexta-feira, junho 19, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 2














Embora se tivesse submetido a Dª Urraca, não nutria respeito à rainha regente, nem por ela tinha qualquer admiração.

A tensão entre os dois era evidente, mas não se imaginava um resultado tão terrível como a inesperada morte do conde.

Depois de passar pelas tropas leonesas de Dª Urraca, acampadas em redor do castelo, o alferes entrou pela porta da muralha, desmontou, despiu o manto molhado e sem sequer alinhar os seus caracóis negros e revoltos, dirigiu-se à torre de menagem de Astorga e subiu as escadas interiores em passadas largas.

Quando abriu a porta do quarto do conde, viu do seu lado um pequeno colchão, onde uma criança de três anos estava sentada, de olhos muito abertos e assustada, enquanto à sua frente um nobre portucalense se debruçava sobre uma enorme cama.

O conde Henrique estava deitado nela e a sua cara pálida e seca, envolta numas largas barbas cinzentas, demonstrava já a rigidez dos defuntos.

Alguém, talvez a criada, colocara-lhe as mãos, uma em cima da outra, em cima da barriga. Paio Soares entristeceu-se: o homem que mais admirava entregara a sua alma à Providência, ele não chegara a tempo!

Mas, para além da amargura, um fio de nervosismo percorria-lhe a espinha; teria o conde revelado algum segredo a Egas Moniz, ou ao prior que o confessara e lhe dera a extrema-unção?

- Paio, murmurou Egas Moniz, ao vê-lo.

O alferes avançou uns passos, aproximando-se do senhor de Ribadouro, que levou um dedo à boca e pediu silêncio.

Ficaram a observar a criada a compor o morto e o prior terminar as orações. Só quando estes saíram do quarto estes voltaram a falar.

 - Aproximai-vos.

Junto ao falecido conde, Egas Moniz olhou para trás. Ao ver que o pequeno Afonso Henriques os observava, tapou-lhe a visão, colocando-se à sua frente.

Então, dobrando-se, abriu a boca do conde e apontou para a sua língua hirta e escurecida.

 - Peçonha -  murmurou.

Paio Soares explodiu de fúria e perguntou num grito quem poderia ter cometido tal enormidade, mas Egas olhou para o príncipe, pedindo-lhe que baixasse o tom de voz.

 - Foi a rainha Dª Urraca – murmurou.

O alferes espantou-se: porque mandaria a rainha matar o cunhado, marido de sua irmã, Dª Tereza? O conde Henrique era aliado dela!

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