(Domingos
Amaral)
Episódio Nº 2
Embora se tivesse submetido a Dª Urraca, não nutria respeito
à rainha regente, nem por ela tinha qualquer admiração.
A tensão entre os dois era evidente, mas não se imaginava um
resultado tão terrível como a inesperada morte do conde.
Depois de passar pelas tropas leonesas de Dª Urraca,
acampadas em redor do castelo, o alferes entrou pela porta da muralha,
desmontou, despiu o manto molhado e sem sequer alinhar os seus caracóis negros
e revoltos, dirigiu-se à torre de menagem de Astorga e subiu as escadas
interiores em passadas largas.
Quando abriu a porta do quarto do conde, viu do seu lado um
pequeno colchão, onde uma criança de três anos estava sentada, de olhos muito
abertos e assustada, enquanto à sua frente um nobre portucalense se debruçava
sobre uma enorme cama.
O conde Henrique estava deitado nela e a sua cara pálida e
seca, envolta numas largas barbas cinzentas, demonstrava já a rigidez dos
defuntos.
Alguém, talvez a criada, colocara-lhe as mãos, uma em cima da
outra, em cima da barriga. Paio Soares entristeceu-se: o homem que mais
admirava entregara a sua alma à Providência, ele não chegara a tempo!
Mas, para além da amargura, um fio de nervosismo
percorria-lhe a espinha; teria o conde revelado algum segredo a Egas Moniz, ou
ao prior que o confessara e lhe dera a extrema-unção?
- Paio, murmurou Egas Moniz, ao vê-lo.
O alferes avançou uns passos, aproximando-se do senhor de
Ribadouro, que levou um dedo à boca e pediu silêncio.
Ficaram a observar a criada a compor o morto e o prior
terminar as orações. Só quando estes saíram do quarto estes voltaram a falar.
- Aproximai-vos.
Junto ao falecido conde, Egas Moniz olhou para trás. Ao ver
que o pequeno Afonso Henriques os observava, tapou-lhe a visão, colocando-se à
sua frente.
Então, dobrando-se, abriu a boca do conde e apontou para a
sua língua hirta e escurecida.
- Peçonha - murmurou.
Paio Soares explodiu de fúria e perguntou num grito quem
poderia ter cometido tal enormidade, mas Egas olhou para o príncipe,
pedindo-lhe que baixasse o tom de voz.
- Foi a rainha Dª
Urraca – murmurou.
O alferes espantou-se: porque mandaria a rainha matar o
cunhado, marido de sua irmã, Dª Tereza? O conde Henrique era aliado dela!
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