segunda-feira, junho 22, 2015

Em dois tempos, o puteiro se acabou.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 272




















Crescera num convento de monjas onde para melhor servir a Deus servira de consolo e passatempo a frei Nuno de Santa Maria, poderoso cachopeiro português. Quando o nome de Cotinha vinha à tona, recordado com saudade, Coroca a comparava a um passarinho.

Antes porém de receber o tiro, ela e todos os demais circunstantes, os da terra e os de fora, os de boa paz e prepotentes, ouviram a proclamação enunciada em alto e ban som por Fadul Abdala em nome da pequena comunidade que ali vivia e labutava: em Tocaia Grande eram todos por um e um por todos, eis a divisa do lugar.

Valia a pena recordá-la na hora fatal da inundação, ao se ver o arraial ameaçado de desaparecer nas águas, quando mais uma vez o turco se ergueu para falar em nome da comunidade bem mais numerosa.

Para reafirmar a divisa inscrita na noite de Santo Antônio nos brasões que Tocaia Grande não chegou a possuir, pacto de vida triunfante sobre a morte.

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No meio das palhas desfeitas, levadas pelas águas, reconheceram-se pertences de seu Cícero Moura: os punhos de celulóide, o colarinho duro, a gravata-borboleta, a camisa e o par de calças.

Onde estariam o capote e as botas, peças de valor? E o próprio comprador de cacau, distinguido cidadão, representante de Koifman & Cia? Se dormira no galpão, certamente enfiara o capote e as botas e saíra a ver a desgraceira.

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Logo a seguir ao palheiro, foram-se de roldão nas águas turvas do rio as choças de palha das raparigas, os casebres de barro batido, misérrimas moradias. Também o quase nada que as andejas possuíam: enxergas e esteiras, rotas e sujas cobertas de chitão, utensílios de barro, latas de variado emprego, mafuás de penúria.

De pé restou apenas a casinhola de madeira mandada construir nos antanhos pelo capitão Natário da Fonseca para
abrigar Coroca e Bernarda, a velha e a menina. Ainda assim invadida pelas águas, os trapos de vestir e os objectos de uso perdidos no arrastão.

O caixão de querosene, berço do menino, fizera-se em pedaços contra uma árvore na danação da correnteza.

Não escapara sequer o barraco levantado para Epifania quando a negra despontara naquelas bandas com sua manemolência e os homens do lugar se esmeraram na massa dos adufes e no trançado de varas. Resistiu um pouco mais, terminou por adernar e se desfazer em lama.

Em dois tempos, o puteiro se acabou, da Baixa dos Sapos só restava o nome.

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