Em dois tempos, o puteiro se acabou. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 272
Crescera num convento de monjas onde para melhor servir a Deus servira de consolo e passatempo a frei Nuno de Santa Maria, poderoso cachopeiro português. Quando o nome de Cotinha vinha à tona, recordado com saudade, Coroca a comparava a um passarinho.
Antes porém de receber o tiro, ela e
todos os demais circunstantes, os da terra e os de fora, os de boa paz e
prepotentes, ouviram a proclamação enunciada em alto e ban som por Fadul Abdala
em nome da pequena comunidade que ali vivia e labutava: em Tocaia Grande eram
todos por um e um por todos, eis a divisa do lugar.
Valia a pena recordá-la na hora fatal da
inundação, ao se ver o arraial ameaçado de desaparecer nas águas, quando mais
uma vez o turco se ergueu para falar em nome da comunidade bem mais numerosa.
Para reafirmar a divisa inscrita na noite
de Santo Antônio nos brasões que Tocaia Grande não chegou a possuir, pacto de
vida triunfante sobre a morte.
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No meio das palhas desfeitas, levadas
pelas águas, reconheceram-se pertences de seu Cícero Moura: os punhos de
celulóide, o colarinho duro, a gravata-borboleta, a camisa e o par de calças.
Onde estariam o capote e as botas, peças
de valor? E o próprio comprador de cacau, distinguido cidadão, representante de
Koifman & Cia? Se dormira no galpão, certamente enfiara o capote e as botas
e saíra a ver a desgraceira.
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Logo a seguir ao palheiro, foram-se de
roldão nas águas turvas do rio as choças de palha das raparigas, os casebres de
barro batido, misérrimas moradias. Também o quase nada que as andejas possuíam:
enxergas e esteiras, rotas e sujas cobertas de chitão, utensílios de barro,
latas de variado emprego, mafuás de penúria.
De pé restou apenas a casinhola de
madeira mandada construir nos antanhos pelo capitão Natário da Fonseca para
abrigar Coroca e Bernarda, a velha e a
menina. Ainda assim invadida pelas águas, os trapos de vestir e os objectos de
uso perdidos no arrastão.
O caixão de querosene, berço do menino,
fizera-se em pedaços contra uma árvore na danação da correnteza.
Não escapara sequer o barraco levantado
para Epifania quando a negra despontara naquelas bandas com sua manemolência e
os homens do lugar se esmeraram na massa dos adufes e no trançado de varas.
Resistiu um pouco mais, terminou por adernar e se desfazer em lama.
Em dois tempos, o puteiro se acabou, da Baixa
dos Sapos só restava o nome.
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