Uma bala perdida matara a pequena Cotinha. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 271
Capela mortuária, onde parentes e
estranhos velaram defuntos relembrando-lhes os feitos e as qualidades no ânimo
da cachaça.
Território de frete e de xodó, no palheiro
olhares cruzaram, ouviram-se galanteios, casais se conheceram e se desejaram,
se desentenderam e se despediram, sonhos nasceram e se desfizeram.
Arena de desavenças, cólera e peleja,
ali a violência desmandou-se, correu sangue e aconteceram mortes.
Nos distantes outroras houvera um
pequeno galpão, abrigo levantado pelos valentes que abriram a trilha reduzindo
o percurso dos comboios de cacau e, ao desembocar em lugar assim bonito e
acolhedor, referiram-se à ocorrência ainda recente da tocaia grande e com esse
nome o batizaram.
Tendo crescido o movimento dos tropeiros
e aumentado o número dos moradores, tornando-se intenso o tráfego de putas,
mateiros e alugados, instaladas bodega de turco e tenda de ferrador de burros,
houve necessidade de local mais espaçoso.
Para edificar o palheiro se congregaram
todos os habitantes: duas dúzias de degredados, se muito, contando homens e
mulheres.
Pressurosos e unânimes atenderam o apelo
de Castor Abduim, novidadeiro, quando, a pedido da negra Epifânia, o ferreiro resolveu
festejar o São João.
Para dizer a verdade, a festa começou na
hora em que decidiram construir o palheiro e distribuíram as tarefas. Não foi
trabalho, foi divertimento:
cortar as palhas nas palmeiras, medir as varas de bambu, traçar
a costura dos cipós, estabelecer as bases e a cobertura.
Uma festa, comprovou Pedro Cigano que,
estando de passagem, resolveu deter-se em Tocaia Grande para
participar do rumoroso vaivém e comandar o ciclo dos festejos.
Começou propondo antecipar a data da
inauguração para a noite de Santo Antônio, proposta acolhida com entusiasmo.
Quantas festas o sanfoneiro abrilhantara
no pobre e feérico salão de baile de Tocaia Grande? O número exacto nem ele
sabia, nem ninguém, tantas tinham sido, cada qual mais animada.
Mas os que participaram do dançarás inicial
jamais o esqueceriam por motivos vários que tiveram a ver com a abrupt a presença da morte e com a proclamação da vida.
Começara influído e ruidoso com
tumultuado fuzuê de putas no qual se exibiram Dalila e Epifânia, Cotinha e
Zuleica, um pega-pra-capá realmente divertido e empolgante.
Para esquentar uma festa nada se compara
a um bom tira-teima de raparigas. Assim sendo, o baile prosseguira na maior
satisfação até a hora do conflito, quando os boiadeiros qui seram
agarrar as mulheres à força. Como se sabe, terminou em tristeza e luto.
Uma bala perdida matou a pequena
Cotinha, surpreendente criatura: corpo franzino, alma compassiva,
ânimo forte. Sabia receitas de doces e licores e os preparava, delícias de
convento.
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