sábado, junho 20, 2015

Uma bala perdida matara a pequena Cotinha.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 271


















Capela mortuária, onde parentes e estranhos velaram defuntos relembrando-lhes os feitos e as qualidades no ânimo da cachaça.

Território de frete e de xodó, no palheiro olhares cruzaram, ouviram-se galanteios, casais se conheceram e se desejaram, se desentenderam e se despediram, sonhos nasceram e se desfizeram.

Arena de desavenças, cólera e peleja, ali a violência desmandou-se, correu sangue e aconteceram mortes.

Nos distantes outroras houvera um pequeno galpão, abrigo levantado pelos valentes que abriram a trilha reduzindo o percurso dos comboios de cacau e, ao desembocar em lugar assim bonito e acolhedor, referiram-se à ocorrência ainda recente da tocaia grande e com esse nome o batizaram.

Tendo crescido o movimento dos tropeiros e aumentado o número dos moradores, tornando-se intenso o tráfego de putas, mateiros e alugados, instaladas bodega de turco e tenda de ferrador de burros, houve necessidade de local mais espaçoso.

Para edificar o palheiro se congregaram todos os habitantes: duas dúzias de degredados, se muito, contando homens e mulheres.

Pressurosos e unânimes atenderam o apelo de Castor Abduim, novidadeiro, quando, a pedido da negra Epifânia, o ferreiro resolveu festejar o São João.

Para dizer a verdade, a festa começou na hora em que decidiram construir o palheiro e distribuíram as tarefas. Não foi trabalho, foi divertimento: cortar as palhas nas palmeiras, medir as varas de bambu, traçar a costura dos cipós, estabelecer as bases e a cobertura.

Uma festa, comprovou Pedro Cigano que, estando de passagem, resolveu deter-se em Tocaia Grande para participar do rumoroso vaivém e comandar o ciclo dos festejos.

Começou propondo antecipar a data da inauguração para a noite de Santo Antônio, proposta acolhida com entusiasmo.

Quantas festas o sanfoneiro abrilhantara no pobre e feérico salão de baile de Tocaia Grande? O número exacto nem ele sabia, nem ninguém, tantas tinham sido, cada qual mais animada.

 Mas os que participaram do dançarás inicial jamais o esqueceriam por motivos vários que tiveram a ver com a abrupta presença da morte e com a proclamação da vida.

Começara influído e ruidoso com tumultuado fuzuê de putas no qual se exibiram Dalila e Epifânia, Cotinha e Zuleica, um pega-pra-capá realmente divertido e empolgante.

Para esquentar uma festa nada se compara a um bom tira-teima de raparigas. Assim sendo, o baile prosseguira na maior satisfação até a hora do conflito, quando os boiadeiros quiseram agarrar as mulheres à força. Como se sabe, terminou em tristeza e luto.

Uma bala perdida matou a pequena Cotinha, surpreendente criatura: corpo franzino, alma compassiva, ânimo forte. Sabia receitas de doces e licores e os preparava, delícias de convento.

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