Vamos rogar a Deus para que a chuva pare. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 264
O coronel Robustiano de Araújo completou antes de partir sob o aguaceiro:
- Meu temor maior é pelas roças de cacau
que estão florando: a safra pode gorar. Vamos rogar a Deus que a chuva pare.
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Seu Cícero Moura, conhecido nos puteiros
pelo apodo de Doutor Permanganato, baixinho e
delicado, representante de
Koifman & Cia, uma das principais
casas exportadoras de cacau, subia e descia o território do rio das Cobras
montado em Envelope, burro lerdo e cauteloso, de passo medido e meditado: nos
caminhos de lamaçais, boqueirões, despenhadeiros, a segurança do cavaleiro
dependia da qualidade do animal.
Nem sequer para atravessar as trilhas
abertas na mata, para arranchar em ínfimas caixa-pregos, seu Cícero Moura abria
mão da gravata-borboleta, do colarinho e dos punhos engomados, a ponta do lenço
dobrada sobressaindo do bolsinho do paletó, a corrente do relógio cruzada no
colete, o cabelo luzidio de tanta brilhantina, uma risca no meio do penteado,
última moda.
Como se estivesse a caminho de um sarau
de gala. De certa maneira assim era, pois nas casas-grandes das fazendas onde
pousava sempre que podia, sua chegada movimentava cozinheiras e mucamas, sendo
ele chegado à boa mesa e às criadas de servir.
Pequeno e magricela, em cada refeição
comia seu peso. Quanto às criadas, tinha razões de sobra para preferi-las. Os
melhores clientes de seu Cícero Moura se encontravam entre os pequenos
fazendeiros. Necessitados em geral de numerário para enfrentar as despesas do
paradeiro, não podiam aguardar temporão e safra quando o preço da arroba de
cacau atingia culminâncias como faziam os grandes proprietários.
Seu Cícero Moura comprava por
antecipação, e a preço conveniente, parte da safra vindoura, adiantando o pagamento.
Nessas plantações menores discutia e acertava negócios, bebericando um
cafezinho ou um cálice de licor de jenipapo, mas para hospedar-se, comer e passar
a noite, preferia as grandes fazendas onde o sal era de primeira e as mucamas,
crias da casa, eram umas gracinhas.
Umas gracinhas, encantavam-no pela
mocidade e pelo asseio. Deitando-se com elas considerava-se garantido, livre do
perigo de apanhar doença feia. As moléstias venéreas, gonorréia, mulas e
cavalos, grassavam nos puteiros da região, tratadas à base de mezinhas e
garrafadas milagrosas.
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