terça-feira, junho 09, 2015

Vamos rogar a Deus para que a chuva pare.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 264




















O coronel Robustiano de Araújo completou antes de partir sob o aguaceiro:

- Meu temor maior é pelas roças de cacau que estão florando: a safra pode gorar. Vamos rogar a Deus que a chuva pare.

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Seu Cícero Moura, conhecido nos puteiros pelo apodo de Doutor Permanganato, baixinho e delicado, representante de
Koifman & Cia, uma das principais casas exportadoras de cacau, subia e descia o território do rio das Cobras montado em Envelope, burro lerdo e cauteloso, de passo medido e meditado: nos caminhos de lamaçais, boqueirões, despenhadeiros, a segurança do cavaleiro dependia da qualidade do animal.

Nem sequer para atravessar as trilhas abertas na mata, para arranchar em ínfimas caixa-pregos, seu Cícero Moura abria mão da gravata-borboleta, do colarinho e dos punhos engomados, a ponta do lenço dobrada sobressaindo do bolsinho do paletó, a corrente do relógio cruzada no colete, o cabelo luzidio de tanta brilhantina, uma risca no meio do penteado, última moda.

Como se estivesse a caminho de um sarau de gala. De certa maneira assim era, pois nas casas-grandes das fazendas onde pousava sempre que podia, sua chegada movimentava cozinheiras e mucamas, sendo ele chegado à boa mesa e às criadas de servir.

Pequeno e magricela, em cada refeição comia seu peso. Quanto às criadas, tinha razões de sobra para preferi-las. Os melhores clientes de seu Cícero Moura se encontravam entre os pequenos fazendeiros. Necessitados em geral de numerário para enfrentar as despesas do paradeiro, não podiam aguardar temporão e safra quando o preço da arroba de cacau atingia culminâncias como faziam os grandes proprietários.

Seu Cícero Moura comprava por antecipação, e a preço conveniente, parte da safra vindoura, adiantando o pagamento. Nessas plantações menores discutia e acertava negócios, bebericando um cafezinho ou um cálice de licor de jenipapo, mas para hospedar-se, comer e passar a noite, preferia as grandes fazendas onde o sal era de primeira e as mucamas, crias da casa, eram umas gracinhas.

Umas gracinhas, encantavam-no pela mocidade e pelo asseio. Deitando-se com elas considerava-se garantido, livre do perigo de apanhar doença feia. As moléstias venéreas, gonorréia, mulas e cavalos, grassavam nos puteiros da região, tratadas à base de mezinhas e garrafadas milagrosas.

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