sexta-feira, julho 31, 2015

Se alastrou
TOCAIA GRANDE

(Jorge Amado)





Episódio Nº 300


















A semana tinha sido triste e dificultosa. Natário, sombrio, parecia um bicho-do-mato, acuado. Vinham procurá-lo, ansiosos, atormentados, como se o Capitão fosse médico ou curandeiro, esperando dele uma providência, uma solução, e ele não tinha nem providência nem solução a oferecer, nem sequer uma palavra alentadora: as palavras eram vagas e vazias, ressoavam falsas.

O povo não buscava consolo para o luto, queria salvatério para os vivos. Zé Luiz sentara-se no banco, na varanda, lavado em pranto: não existe nada mais importuno, mais insuportável do que um homem chorando, perdidas a vergonha e a presunção, despido da condição de macho.

Zilda repetiu, elevando a voz para ser ouvida e obter resposta:

- Se alastrou.

O Capitão amassava com os dedos um bolo de feijão com
farinha:

- Diz-que outro parente de sia Leocádia está arriado. É homem ou mulher? Tu sabe? - Os estancianos na sexta-feira haviam enterrado o moço Tancredo.

- Um menino, Mariozinho, de seus dez anos, não tinha mais. Não saía daqui, era carne e unha com Peba.

- Tu fala como se ele já tivesse morrido.

- Deus me perdoe! Não quero agourar ninguém mas ocê já viu algum se salvar? Nunca soube de nenhum.

Baixou os olhos para o prato de flandre, revolveu a comida com a colher:

- Ando agoniada por causa dos meninos. O que é que ocê acha? Não era mais melhor pegar neles e ir pra roça? Até passar.

O Capitão correu a vista pela criançada que, desatenta à conversa, comia com vontade, uns na mesa, outros sentados no chão. Depois encarou a mulher:

- Tu já reparou quanta casa fechada, quanta gente já foi embora? Se nós se retira, se tu for pra roça com os meninos, no outro dia não fica mais ninguém em Tocaia Grande. Nós não pode fazer isso.

Zilda largou a colher, ergueu os olhos para ele:

- Tomei filhos de outras pra criar.

- Aqui é a casa deles e daqui nós não vai sair. Ninguém.
- Limpou as mãos sujas de comida, uma na outra: - A não ser que seja pro cemitério.

Zilda balançou a cabeça, em concordância: não estavam discutindo, apenas conversando. Conhecia o marido e sua maneira de pensar: quem tem mando e autoridade, tem obrigações.

De nada adiantaria argumentar, menos ainda se opor.

Cumprira sua parte, expusera seus temores: a ele competia decidir, a ela obedecer.

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