Nasceu
Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 33
Coimbra, Julho de 1117
A minha prima Raimunda era
danada. Naquela noite, viu Fernão Peres de Trava entrar suavemente pelo quarto
de Dona Teresa, para que ninguém o visse.
No canto do varandim daquela
casa de Coimbra, havia uma viga que suportava o teto do alpendre, e Raimunda
trepou até ao telhado rápida e silenciosa.
Movimentou-se em cima das
madeiras que cobriam o edifício até encontrar o que procurava: uma pequena
falha entre duas tábuas.
Espreitou. Dali via
perfeitamente o quarto de Dona Teresa. Lá em baixo, a rainha estava sentada
numa cama luxuosa, com três colchões de lã sobrepostos, e perguntava ao Trava
como se lembrara de envenenar as águas dos muçulmanos.
- Haveis aprendido a usar
venenos na corte de Dona Urraca? – perguntava Dona Teresa.
Fernão Peres era um homem
bonito. Tinha a testa alta, o cabelo ralo, uns olhos negros e brilhantes e um
porte distinto.
Pela forma serena como
falava, ninguém diria que tinha apenas dezassete anos. Esperto torturou a
rainha portucalense com o seu silêncio.
- Haveis conhecido minha irmã? – insistiu ela.
Dona Teresa tinha ciúmes de
Urraca, além de uma clara consciência de uma inferioridade na linhagem. A irmã
era rainha dos três reinos, ela era apenas a condessa portucalense.
Embora se intitulasse também
rainha, não o era e sabia-o.
Para a acalmar, o Trava
disse:
- Falei com ela só duas
vezes. Meu pai acha que Dona Urraca é doida, nunca se sabe o que vai fazer, e
tem toda a razão!
Diz-se que foi ela que
envenenou vosso marido, o conde Henrique.
Agitada, Dona Teresa deu uns
passos pelo quarto.
- Não sei, não sou
curandeira! Ele não estava bem de saúde. E desde que o meu pai o baniu de
Toledo, parecia doido de todo!
Com pena de si própria,
resmungou.
- Tenho má sorte com os homens. Ao conde
Henrique, mal o entendia, só falava francês. Estava sempre a ir-se embora, para
a Terra Santa, ou para uma batalha qualquer! E agora calha-me “este”...
Pelo seu tom de voz, era
claro que Bermudo não a satisfazia e por isso Fernão Peres comentou sibilino.
- “Este” não é vosso marido.
De súbito animada, Dona
Teresa mirou-o. Quando os seus olhos brilhavam e a cara se alegrava, era uma
mulher muito bonita.
- Fizemos os esponsais, há
pública fama! – exclamou.
Fernão Peres de Trava
contestou-a, dizendo que ela e Bermudo nunca se haviam casado na Igreja, não
existira bênção nupcial, aos olhos de Deus não eram marido e mulher.
Acercou-se de uma pequena
mesa, onde estavam pousados dois vasos e um jarro de barro, encheu os vasos de
vinho, ofereceu um a Dona Teresa e, depois de beber, mirou o recipiente,
desagradado.
- Prefiro o vinho da Galiza, este tem água a
mais!
De seguida afirmou:
- Meu pai sempre disse que Bermudo era bom
homem, mas sem carácter. A gente grita-lhe e ele encolhe-se!
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