terça-feira, agosto 04, 2015

Assim

Nasceu 

Portugal
(Domingos Amaral)






Episódio Nº 33















Coimbra, Julho de 1117


A minha prima Raimunda era danada. Naquela noite, viu Fernão Peres de Trava entrar suavemente pelo quarto de Dona Teresa, para que ninguém o visse.

No canto do varandim daquela casa de Coimbra, havia uma viga que suportava o teto do alpendre, e Raimunda trepou até ao telhado rápida e silenciosa.

Movimentou-se em cima das madeiras que cobriam o edifício até encontrar o que procurava: uma pequena falha entre duas tábuas.

Espreitou. Dali via perfeitamente o quarto de Dona Teresa. Lá em baixo, a rainha estava sentada numa cama luxuosa, com três colchões de lã sobrepostos, e perguntava ao Trava como se lembrara de envenenar as águas dos muçulmanos.

- Haveis aprendido a usar venenos na corte de Dona Urraca? – perguntava Dona Teresa.

Fernão Peres era um homem bonito. Tinha a testa alta, o cabelo ralo, uns olhos negros e brilhantes e um porte distinto.

Pela forma serena como falava, ninguém diria que tinha apenas dezassete anos. Esperto torturou a rainha portucalense com o seu silêncio.

 - Haveis conhecido minha irmã? – insistiu  ela.

Dona Teresa tinha ciúmes de Urraca, além de uma clara consciência de uma inferioridade na linhagem. A irmã era rainha dos três reinos, ela era apenas a condessa portucalense.

Embora se intitulasse também rainha, não o era e sabia-o.

Para a acalmar, o Trava disse:

- Falei com ela só duas vezes. Meu pai acha que Dona Urraca é doida, nunca se sabe o que vai fazer, e tem toda a razão!

Diz-se que foi ela que envenenou vosso marido, o conde Henrique.

Agitada, Dona Teresa deu uns passos pelo quarto.

- Não sei, não sou curandeira! Ele não estava bem de saúde. E desde que o meu pai o baniu de Toledo, parecia doido de todo!

Com pena de si própria, resmungou.

 - Tenho má sorte com os homens. Ao conde Henrique, mal o entendia, só falava francês. Estava sempre a ir-se embora, para a Terra Santa, ou para uma batalha qualquer! E agora calha-me “este”...

Pelo seu tom de voz, era claro que Bermudo não a satisfazia e por isso Fernão Peres comentou sibilino.

 - “Este” não é vosso marido.

De súbito animada, Dona Teresa mirou-o. Quando os seus olhos brilhavam e a cara se alegrava, era uma mulher muito bonita.

- Fizemos os esponsais, há pública fama! – exclamou.

Fernão Peres de Trava contestou-a, dizendo que ela e Bermudo nunca se haviam casado na Igreja, não existira bênção nupcial, aos olhos de Deus não eram marido e mulher.

Acercou-se de uma pequena mesa, onde estavam pousados dois vasos e um jarro de barro, encheu os vasos de vinho, ofereceu um a Dona Teresa e, depois de beber, mirou o recipiente, desagradado.

 - Prefiro o vinho da Galiza, este tem água a mais!

De seguida afirmou:


 - Meu pai sempre disse que Bermudo era bom homem, mas sem carácter. A gente grita-lhe e ele encolhe-se! 

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