quinta-feira, agosto 06, 2015

Defundo se enterra em cemitério.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)





Episódio Nº 305
















Sozinha não a deixaria ir: no fundo das águas, no leito do rio se estendem terras de Aiocá. Sacrilégio! Defunto se enterra em cemitério e aos vivos cabe chorar e recordar.

Vanjé tropeçou no pé-de-vento e caiu na lama antes de alcançar Castor e lhe suplicar respeito para com a morte e sua circunstância.

Bernarda apareceu e a ajudou a levantar-se. Calçada com as alpercatas do diabo, Coroca corria no redemoinho. No céu, visagens se dissolviam em farrapos de nuvens.

Depois da desgraça, o vitupério. Fadul mal teve tempo de enfiar as calças. Precipitou-se para tomar a frente do ferrador de burros e impedir-lhe o passo. Ia gritando:

- Que é isso, Tição, tu tá maluco?

Castor Abduim não susteve a marcha, tampouco se apressou, prosseguiu andando. Não era o ferreiro Tição, bom moço, por todos estimado, era uma alma do outro mundo. Rosnou numa voz sem timbre, ruim de se escutar:

- Arreda!

Um círculo foi se apertando em torno dele, o povo disposto a impedir o sacrilégio. O turco chegou mais perto, o círculo se fechou.

- Vamos vestir ela, botar na rede, fazer o enterro.

- Arreda!

Nos olhos o vazio da morte, Tição tentou atravessar, esbarrou
em Fadul.

 Em torno o povo, pronto para intervir: impotente contra a febre, não iria permitir o ultraje.

Fadul ergueu a mão disforme, fechou o punho e desferiu o soco antes que o povo avançasse e fosse tarde. Vanjé, Bernarda e Lia recolheram o corpo.

Tição se ergueu para matar e morrer.

Mas quem ele encontrou postada em sua frente foi Coroca, a mãe da vida:

— Tu se esquece, desgraçado, que tem um filho pra criar?




O REISADO DE SIA LEOCÁDIA PEDE LICENÇA
AO POVO DE TOCAIA GRANDE PARA DANÇAR:
QUILARIÔ! QUILARIÁ!


1


Estava Castor Abduim entregue ao trabalho de ferrar a égua
Imperatriz, montaria de estimação do coronel Robustiano de Araújo, serviço delicado, pois o animal, além de passarinheiro, tinha os cascos frágeis, quando os latidos de Alma Penada, inesperados e festivos, despertaram-lhe a atenção.

O cão levantara as orelhas, pusera-se de pé abanando a cauda, e partira célere ao encontro de um viandante. Alma Penada não era de índole expansiva. Apegado ao dono, reservava para ele suas efusões, não vivia a correr atrás e a saltar em torno de desconhecidos.

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