Defundo se enterra em cemitério. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 305
Sozinha não a deixaria ir: no fundo das
águas, no leito do rio se estendem terras de Aiocá. Sacrilégio! Defunto se
enterra em cemitério e aos vivos cabe chorar e recordar.
Vanjé tropeçou no pé-de-vento e caiu na
lama antes de alcançar Castor e lhe suplicar respeito para com a morte e sua
circunstância.
Bernarda apareceu e a ajudou a
levantar-se. Calçada com as alpercatas do diabo, Coroca corria no redemoinho.
No céu, visagens se dissolviam em farrapos de nuvens.
Depois da desgraça, o vitupério. Fadul mal
teve tempo de enfiar as calças. Precipitou-se para tomar a frente do ferrador
de burros e impedir-lhe o passo. Ia gritando:
- Que é isso, Tição, tu tá maluco?
Castor Abduim não susteve a marcha, tampouco
se apressou, prosseguiu andando. Não era o ferreiro Tição, bom moço, por todos estimado,
era uma alma do outro mundo. Rosnou numa voz sem timbre, ruim de se escutar:
- Arreda!
Um círculo foi se apertando em torno dele,
o povo disposto a impedir o sacrilégio. O turco chegou mais perto, o círculo se
fechou.
- Vamos vestir ela, botar na rede, fazer o
enterro.
- Arreda!
Nos olhos o vazio da morte, Tição tentou
atravessar, esbarrou
em Fadul.
Em
torno o povo, pronto para intervir: impotente contra a febre, não iria permitir
o ultraje.
Fadul ergueu a mão disforme, fechou o
punho e desferiu o soco antes que o povo avançasse e fosse tarde. Vanjé,
Bernarda e Lia recolheram o corpo.
Tição se ergueu para matar e morrer.
Mas quem ele encontrou postada em sua
frente foi Coroca, a mãe da vida:
— Tu se esquece, desgraçado, que tem um
filho pra criar?
O REISADO DE
SIA LEOCÁDIA PEDE LICENÇA
AO POVO DE
TOCAIA GRANDE PARA DANÇAR:
QUILARIÔ!
QUILARIÁ!
1
Estava Castor Abduim entregue ao trabalho
de ferrar a égua
Imperatriz, montaria de estimação do
coronel Robustiano de Araújo, serviço delicado, pois o animal, além de
passarinheiro, tinha os cascos frágeis, quando os latidos de Alma Penada,
inesperados e festivos, despertaram-lhe a atenção.
O cão levantara as orelhas, pusera-se de
pé abanando a cauda, e partira célere ao encontro de um viandante. Alma Penada
não era de índole expansiva. Apegado ao dono, reservava para ele suas efusões,
não vivia a correr atrás e a saltar em torno de desconhecidos.
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