quarta-feira, agosto 05, 2015

Uivo de morte, o grito de Tição.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 304
















Diva gemeu baixinho e mais uma vez a mãe e a cunhada limparam-na da sujeira enquanto Tição a sustentava de encontro ao peito. Mas os trapos de pouco adiantaram, ela se sentia emporcalhada e fedorenta.

Pediu que esquentassem água para um banho. Lia e Vanjé resistiram: tomar banho com o corpo queimando, desejo absurdo, delírio da febre.

Pelo amor de Deus, rogou Diva, desfalecente. Tição mandou que atendessem: absurdo delírio, fantasia de agonizante, ela tinha direito ao que quisesse.

Foi buscar a tina.

Tiraram-lhe a combinação suja, sentaram-na na água morna.
Vanjé e Lia que se retirassem para a oficina, deixando-a em companhia de Tição. Nua, limpa, cheirando a sabão, quis que ele subisse com ela para a rede e se deitassem juntos.

Debaixo da rede, imóvel, o focinho entre as patas, Alma Penada.


14


Uivo de morte, o grito de Tição cortou a alvacenta madrugada, transpôs o medo e o luto, acordou o povo: o mesmo sucedera no verão quando a cabeça-d’água pipocou nas cabeceiras e o rio se fez devastação.

Que outra provação se anunciava? Não bastava de infortúnio e sofrimento?

A aurora se acendia e os que acorreram viram a febre, desembestada, embarcar no vendaval: queira Deus estivesse farta de matar.

Nove mortos, dez com Glória Maria, nada mau: boa parte da população do cu-de-judas. Feitas as contas de somar e de subtrair, dando baixa nos defuntos e nos fugitivos, bem poucos sobravam dos que ali habitavam em permanência.

Não perderiam por esperar. A febre sem nome, a que matava até macacos, esquadrinhava a capitania do cacau, atenta ia e vinha de um sítio a outro, dava trégua mas não dizia adeus para sempre e nunca mais.

Lia apareceu na frente, correndo em disparada, clamando por socorro, pedindo a ajuda de Fadul. Logo se formou um grupo com tropeiros, putas, moradores, querendo saber.

Em passo lento, zumbi mal-assombrado, Tição cruzava o descampado em direcção ao rio, seguido pelo cão Alma Penada.

Nos braços estendidos conduzia o corpo de Diva, vestido com a luz da barra da manhã.

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