(Domingos Amaral)
Episódio Nº 56
No terceiro banco, encontrava-se Sancha Henriques, a segunda filha de Dª Teresa, uma problemática criatura. O Braganção, como todos chamavam a Fernão Mendes, senhor de Bragança, apesar de alto espadaúdo e forte, já levara dois gritos há pouco, tendo sido obrigado a afastar-se dela.
Entre esses dois litigantes
estava agora sentada Teresa de Celanova, bonita e ainda jovem, talvez com vinte
e dois anos, e que necessitava claramente de casar, pela forma como lhe ardiam
as faces.
Corria o rumor que Afonso
Raimundes se afeiçoara a ela, mas agora que Dona Urraca morrera e o filho se
passaria a chamar Afonso VII, deixando cair o Raimundes, havia quem dissesse que
às ousadas esperanças da Celanova iria acontecer o mesmo que ao sobrenome do
novo monarca.
Do lado esquerdo da nave
central, estavam sentados os nobres portucalenses de Entre Douro e Minho, e a
separação forçada entre eles e os Trava era tudo menos simbólica.
Há anos que existiam fundas
querelas entre eles e a poderosa família galega. Liderados pelo ardiloso Fernão,
os Trava haviam primeiro afastado dos cargos públicos do reino os senhores da
Maia, de Baião, de Ribadouro.
Depois, numa segunda vaga,
haviam secundarizado também as famílias menos distintas, os Silva, os de
Lanhoso, os Guedões ou os de Marnel.
A recente morte de Dona
Urraca provocara, no entanto, uma alteração política capaz de modificar os equi líbrios anteriores.
Aquele reencontro da Páscoa,
que Dona Teresa impusera a todos, trazia água no bico. Os seus planos para
casamentos também já eram conhecidos, e uma estranha excitação percorria a
Igreja de Viseu.
Paio Soares, o vaidoso,
estava fisgado em Chamoa, mas também Afonso Henriques, formoso e altivo nas sua
dalmática vermelha, parecia esgazeado com a formosura da bela galega!
Enervado, o prior olhou para
o improvisado Cristo, já pregado na cruz e a quem um soldado estendia a
tradicional esponja com fel.
Estava hora do “filho do
homem” falecer, pois só assim cairia um silêncio sepulcral na igreja.
O prior gesticulou ao
centurião, ordenando que se despachassem. O Cristo tinha de olhar para o alto
da igreja e dizer, “meu pai porque me abandonaste?” e depois todos ajoelhariam
e ficariam algum tempo calados, a olhar para o chão, em silenciosa homenagem *a
morte de Jesus, e sobretudo impedidos de trocarem olhares luxuriosos.
Porém, este Cristo não
queria morrer depressa e o prior reparou que até Egas Moniz, o viúvo, sentado
na primeira fila, do lado esquerdo, junto do seu irmão Ermígio e do príncipe,
se deliciava a catrapiscar a bela Teresa de Celanova, enquanto atrás de si
outras descobertas amorosas começavam.
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