(Domingos Amaral)
Episódio Nº 57
Foi a primeira vez que eu e
Maria Gomes trocámos olhares, e encantei-me em instantes. A minha
Maria tinha um ar plácido, tranqui lo,
uma doçura serena que me conqui stou.
Porém, eu era envergonhado e
ela também, e a nossa aproximação foi suave e tímida...
Ouviram-se os sinos a dobrarem,
anunciando mais uma morte de Jesus, cumprindo a tradição que durava há mais de
mil anos.
Todos os presentes se
apressaram numa genuflexão colectiva, liderados por Teotónio, que pousou os
joelhos no chão, fechou os olhos e permaneceu assim uns instantes.
Todavia, não resistiu a
levantar ligeiramente a cabeça, para verificar se algum recalcitrante se
recusava a imitá-lo.
Estavam todos de pescoço
vergado: Dona Teresa e os Trava, as filhas dela e as sobrinhas dele, os nobres
galegos nas filas de trás e do outro lado, também os Moniz de Ribadouro e seus
filhos, bem como o bem aprumado Paio Soares.
O único que se recusara a
olhar solenemente para o chão de pedra era Afonso Henriques!
O príncipe, apesar de se ter
ajoelhado, observava ainda o banco onde estava Chamoa, como se aquele não fosse
um momento de grave contenção.
E tão intenso era o seu
olhar que a rapariga galega o deve ter pressentido, pois o prior viu-a devolver
um radiante sorriso.
Irritado, Teotónio tossiu,
atraindo a atenção de Jesus pregado na cruz, que abriu os olhos e o mirou,
pensando talvez que aquele era o sinal de que tinha terminado a sua actuação.
O prior ignorou-o, mas não
ignorou o príncipe. Franziu-lhe o sobrolho, repreendendo-o pela sua desatenção.
Então, e com o respeito que sempre lhe dedicava, Afonso Henriques inclinou
finalmente a cabeça.
Teotónio suspirou fundo,
mais sereno, e depois de algum tempo deu o sinal de que o ritual chegara ao fim,
o que libertou os presentes daquela obrigação.
Num instante, todos se levantaram
e desataram a falar. A azáfama foi grande e o principal prejudicado da
barafunda foi Paio Soares.
O antigo alferes tentou
aproximar-se de Chamoa, mas esta, decerto, sem ter reparado nele, recuou uns
passos, chegando-se para perto do seu primo, Mem Ramires de Tougues.
A deslocação da rapariga
obrigou Paio Soares a parar no meio da nave central, sem destino evidente,
momento que foi aproveitado por Dona Teresa e por Fernão Peres para se
abeirarem dele e o saudarem, com inesperada cortesia.
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