Chegou as moreninhas, oi que dança almofadinha |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 329
Os habitantes do lugar que não participavam
do reisado nem por isso mostravam-se menos orgulhosos. Misturados à malta de
forasteiros, arrotavam importância e gabolice no louvor do Reisado de Sia
Leocádia, ostentação de Tocaia Grande.
Em Taquaras um bumba-meu-boi saía à rua
nas festas dos Reis Magos. Desanimado e pobre, meia dúzia de pastoras
esfarrapadas, figuração de merda: sacos velhos de aniagem fazendo as vezes do
couro do Boi, o Vaqueiro esmolambento, a Caapora vestida de folhagem trazida do
mato e se acabou.
Comparado com o reisado de Tocaia Grande,
uma lástima.
Ao desembocar no descampado, os figurantes
do pastoril haviam atingido o auge da animação no calor da dança já dançada e
dos tragos já emborcados: o suor escorrendo pelos rostos, os pés descalços,
negros de poeira, o bodum solto no ar, inebriante.
Montada em seus sapatos comprados na loja
de seu Américo, em Estância, a alta travessa no cocuruto da cabeça - coroa inconteste de rainha! - sia Leocádia equi librou-se em cima de um caixão de querosene,
vazio, trazido do armazém do turco.
Com suas ossudas mãos de octogenária bateu
palmas e pediu silêncio: o reisado ia iniciar suas jornadas.
Balbúrdia, barafunda, gritaria,
gargalhadas, dichotes, palavrões, diabruras dos moleques com toda a corda,
tremenda barulheira: o rogo de sia Leocádia, velhinha frágil e miúda, mais do
que um absurdo, era perda de tempo, tolice sem tamanho.
Pois bem: mal ela bateu palmas e anunciou
o começo da função, cessou todo e qualquer bulício, o silêncio foi total,
absoluto.
Nem o mais leve rumor, apenas as
respirações ansiosas, o palpitar dos corações.
A apresentação se iniciou com o Canto da
Pedição e os benditos, as danças dos cordões e as das pastoras, jornadas já vistas
e ouvidas nas casas particulares, nem por isso menos aplaudidas:
Chegou as moreninhas
Oi que dança almofadinha.
Daí em diante tudo foi novidade, encanto e
fantasia. Do centro das alas destacou-se o Boi para fazer a sua entrada.
Começou por botar a molecada para correr, ameaçando chifrar os mais ousados,
enquanto o figura cantava o Canto da Entrada do Boi:
Quem tiver seu boi
Que prenda no curral
Que eu não tenho roça
Pra boi soná
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