segunda-feira, setembro 21, 2015

Venturinha?
TOCAIA GRANDE
(Jorgr Amado)

Episódio Nº 342




















O aluguer rendia uns bons cobres mensais, bastante para mãe e filha viverem livres de aflições. Sia Efigênia sonhava desde então abandonar o trabalho na fazenda para abrir uma quitanda, em Itabuna ou em Taquaras, onde vendesse bananas, frutas-pão, pimentas, jilós e o mais que fosse de guarnecer e temperar.

Estando porém o Coronel em boa saúde e enrabichado pela
moleca, a puxa-reza adiara o projeto para quando o fazendeiro enjoasse de Sacramento: xodó de rico sabe-se como é, pode acabar num átimo, da noite para o dia.

Não deu para o Coronel enjoar, faltou antes: a morte soprou a congestão em seu cangote e ele caiu duro, a boca torta.

Vendendo abóbora e maxixe na quitanda, na influência de Itabuna, Sacramento não tardaria a arranjar outro ricaço que lhe pusesse casa e abrisse conta em loja de fazenda e de sapato.

Assim deliberara sia Efigênia, ambiciosa e prática. Mas dona Ernestina herdara Sacramento junto com as propriedades rurais e citadinas: o latifúndio, as ruas de casas de aluguel em Ilhéus e em Itabuna, o dinheiro a juros, a fortuna imensa.

Os sonhos de quitandeira de sia Efigênia viram-se adiados para quando Deus quisesse.

A herança do coronel Boaventura Andrade, tema principal de conversa e disse-que-disse nas esquinas e botequins, nas estradas e bodegas, não foi objecto de inventário e divisão.

Mais dia menos dia, tudo será dele - dispusera a viúva encomendando missas ao padre Afonso e referindo-se ao filho -  tão logo Deus me chame para a sua companhia.

Sendo assim, para que dividir roças e casas, bens maiores e menores, o capital e os juros? Apenas Venturinha desembarcou da Europa, com escalas no Rio e na Bahia, a mãe lhe entregara o mando e o desmando da fortuna.

Exclusivo para ela, dona Ernestina reservou um único pertence: a serva Sacramento.

7

De quem seria a sombra que o Capitão via refletida na chama do fifó, em casa do finado Tiburcinho? O que viera fazer no barraco na ausência dos moradores? Coisa boa não seria.

Natário empurrou a porta com a mão esquerda, a direita no cabo do revólver. Deu de cara com Sacramento, coberta de poeira: a moça soltou um pequeno grito ao vê-lo mas não era de susto, era de surpresa e de satisfação:

 - Ai, Capitão! Que bom ver vosmicê! Me disseram que tinha ido embora.

- E tu, que faz aqui? Dona Ernestina lhe dispensou?

Sacramento baixou os olhos para o chão:

- Por dona Ernestina eu nunca ia sair de lá. A coitadinha deve estar pensando mal de mim, achando que não presto. Escapuli sem dizer nada pra ela, mas como houvera de dizer?

- Tu fugiu da casa do Coronel? Que cobra lhe picou?

- Foi o doutor. Quis me agarrar.

O Capitão não pareceu surpreendido: nos lábios desenhou-se o sorriso álgido, quase imperceptível.

-Venturinha?

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