sexta-feira, outubro 16, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 85


















O visado ao ouvi-lo, encolheu os ombros e regressou ao convívio, enquanto Raimunda se manteve quieta e invisível, deixando que meu pai e meu tio passassem perto dela.

Só depois se levantou, mas quando chegou á entrada da tenda o seu coração deu um inesperado pulo.

Ao fundo, a cerca de cinquenta metros, viu Afonso Henriques e Chamoa afastarem-se estrada fora a cavalo!

Ao vê-los também, meu pai vingou-se com uma piada:

 - Não serão antes cornos galegos, caro Paio Soares?

Furibundo, este entrou de repente na tenda, chocando com um dos criados, um homem baixo que deixou cair um tabuleiro.

Ainda o pobre apanhava cacos do chão, quando o rico-homem da Maia reapareceu, trazendo pelo braço o filho Ramiro, a quem ordenou, exaltado, apontando para as duas figuras que cavalgavam:

 - Ide segui-los e não os deixais estar juntos! Ide ou levais uma carga de pancada!

Sorrateira, minha prima Raimunda seguiu o jovem bastardo. Como a cavalo atraía muito a atenção dos passeantes, decidiu ir a pé e saíu da estrada, cruzando os campos a correr, para encurtar distâncias, vendo que Ramiro fazia o mesmo, trinta metros à sua frente.

Algum tempo depois, já afastados do castelo mais de uma légua verificou que o príncipe e a donzela galega se dirigiam a um pequeno curso de água, a que os locais chamavam Rio da Loba.

Aproximou-se com infinita cautela e quando eles desmontaram e Afonso Henriques deu a mão à galega, para a ajudar, Raimundo percebeu que Ramiro não iria cumprir as ordens do pai.

Atrás de uma árvore, o rapaz limitava-se a observar o par de encantados que se sentaram na erva, à borda da água.

Uma grande desgraça estava prestes a acontecer, e nem Ramiro, nem minha prima a evitaram como podiam. Se o tivessem feito, talvez Portugal não tivesse nascido com um filho em guerra com a mãe.


Viseu, Sábado de Aleluia, Abril de 1126


Deitada no chão entre as ervas, protegida por uns pedregulhos e observando o seu amado, minha prima Raimunda estava a transbordar de indignação com meu pai e meu tio.

Porque não haviam eles impedido o príncipe de cortejar Chamoa, se a sabiam destinada a Paio Soares?

E porque não o impedira ela, perguntei eu, no dia em que ela me contou o que se passou? Porque não o impedira Ramiro?

Minha prima não me soube responder. Mesmo estando ambos transtornados de ciúmes, ele porque amava Chamoa, ela porque se apaixonara por Afonso Henriques, nenhum foi capaz de estragar aquele primeiro encontro amoroso.

Os seres humanos, por vezes, são tortos que parecem leais e tão manhosos que parecem inteligentes.


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