quinta-feira, outubro 15, 2015

Tenha dó de um pobre pau-mandado
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
 
Episódio Nº 363




















Na pensão de raparigas, recordaria com Xandu a graça e o dengue de Zezinha do Butiá, o xibiu aquele abismo! Perdida em Sergipe, não dava notícias nem sequer ao sobrinho Durvalino, o Leva-e-Traz.

Se sobrasse tempo, iria a Ilhéus cavaquear com Álvaro Faria e ver o mar que, rapazola, cruzara num lugre de imigrantes para vir do país das tâmaras para as terras do cacau.

4

Não chegaram a empreender a projetada viagem, não houve tempo, os acontecimentos começaram a se desenrolar logo a seguir e se precipitaram em ritmo de tormenta e vendaval.

Acabava o capitão Natário da Fonseca de abancar-se à mesa do almoço quando o filho Peba entrou correndo casa adentro: não vinha pela comida.

Afobado, dirigiu-se ao pai:

- Tem dois homens lá fora atirando nos porcos, diz-que são fiscais e já mataram...

O Capitão não esperou que Peba completasse a frase, tomou do cinturão com o parabelo, pendurado na parede ao lado da mesa, despenhou-se pela ladeira.

Alcançou o descampado a tempo de ver Altamirando, também ele chamado às pressas, se atracar com um dos dois desconhecidos.

Com as armas em punho, gritando ameaças, os dois adventícios tinham feito uma carnificina de porcos, em sua maioria da criação do sertanejo.

Altamirando, um punhal na mão, e o tal sujeito cujo revólver se perdera na queda, rolavam no chão. Ainda distante, Natário nada pôde fazer senão gritar, quando o outro indivíduo visou Altamirando e disparou o trabuco várias vezes: o criador de porcos derreou, um rombo nas costas por onde o sangue em jorro o abandonava.

Quase no mesmo instante, o assassino caiu morto com um único tiro do parabelo do Capitão. Chegava gente de todos os lados e Tição Abduim prendeu nos braços o fulano que, tendo se livrado do corpo de Altamirando, tentava se levantar.

Quando o tipo se viu cercado e recebeu os primeiros sopapos, caiu de joelhos e implorou que não lhe tirassem a vida, pelo amor de Deus, tinha mulher a sustentar e filhos a criar.

Ali haviam chegado ele e seu colega, com ordens expressas a executar.

Ambos fiscais da Intendência do Município de Itabuna com alçada na cidade, nas vilas e nos arruados: no território do município situava-se o arraial, ou lá o que fosse, de Tocaia Grande.

Vinham para fazer valer a ordenança que proibia animais soltos nas ruas: as determinações recebidas do Sargento Delegado mandavam matar todos os bichos de quatro pés que se encontrassem vadios nas artérias, pois não tinham onde os recolher e, mesmo que tivessem, era necessário dar o exemplo.

Quem cumpre ordens, não é culpado, seu Capitão. Tenha dó de um pobre pau-mandado.

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