De início, o capitão pensou tratar-se de resmungos |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 362
Fez um escarcéu, ameaçou deus e mundo, exigiu explicações. O engenheiro-agrónomo, folheando livros especializados na matéria, explicou que era assim mesmo: os resultados positivos da aplicação de métodos modernos e científicos exigem tempo e paciência.
Tempo e paciência, puta que os pariu! - exprobrou
Venturinha, indignado. Mas terminou por se render aos argumentos do doutor
Gusmão, um vaselina de primeira, porque, ainda uma vez, Natário recusou-se a
tomar conhecimento das propostas renovadas e irrecusáveis para reassumir o
posto de administrador.
Venturinha se magoou e se ofendeu com a
recusa pois prometera ao cabra, ao Natário do coronel Boaventura, até comissão nos
lucros; coisa nunca vista e reprovável na critica e correta opinião dos
fazendeiros.
A cólera porta ao destempero: Venturinha falou,
para quem qui sesse ouvir, em
deslealdade e usou a palavra traição.
Natário não respeitara sequer a memória do
chefe e protetor, a quem tudo devia, e, em seguida à sua morte, pusera casa e financiara
qui tanda para Sacramento, rapariga
do Coronel, corneando-o post-mortem, ignóbil felonia.
Pronunciava post-mortem e felonia com o mesmo
acento doutoral com que o agrônomo se referia ao theobroma cacao, árvore
esterculiácea.
3
Ouvi umas conversas, não gostei, se
precavenha - essa a mensagem do coronel Robustiano de Araújo, um tanto obscura,
trazida pelo cabra Nazareno, homem de fé, que não soube acrescentar detalhes.
De início, o Capitão pensou tratar-se dos
resmungos despeitados de Venturinha, já lhe haviam chegado às ouças e deles
Natário se ria: zanga de menino mandão, quando for a Itabuna puxo-lhe as
orelhas, emborcaremos um trago falando de mulheres e o amuo se termina.
Discorrendo, porém, sobre o assunto com
Fadul Abdala, surpreendeu-se ao saber que o turco recebera, com pequena
diferença de data, um papel escrito por Fuad Karan, vazado em linguagem alegórica,
para não dizer poética.
O
felá planta no oásis um jardim de tamareiras, mas quem colhe os frutos é o
zanguil; toma cuidado, meu bom Fadul, pois os frutos começam a sazonar - alertava
em rebuscada caligrafia árabe.
O bilhete fora confiado ao tropeiro Zé
Raimundo, veterano do atalho, para ser entregue, em mãos, ao bodegueiro.
Juntos quebraram a cabeça, Natário e
Fadul, pediram o aviso de Castor Abduim, ainda assim não encontraram a chave da
adivinha, capaz de expor à luz do entendimento o sibilino significado da
embaixada do Coronel, da alegoria do letrado.
- Pra semana vou a Itabuna, tiro isso a
limpo - Disse Natário
já então com a pulga atrás da orelha.
Que conversas seriam aquelas que
desagradavam ao coronel
Robustiano? Precaver-se de quê? Qual o
conceito para a charada de tâmaras maduras em que se esmerara Fuad Karan?
Somando o recado e o bilhete, tirado o
noves-fora, o desenredo não devia ser coisa de somenos.
Para acompanhar o Capitão, antes compadre
de tratamento, agora de verdade, depois do batizado de Nado, para estar com ele
em Itabuna no bar, na pensão de Xandu, no cabaré, Fadul decidiu antecipar a
costumeira viagem de negócios: encontro com os fornecedores, acertos de contas,
renovação de estoque.
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