quarta-feira, outubro 14, 2015

De início, o capitão pensou tratar-se de resmungos
Tocaia Grande
(Jorge Amado)




Episódio Nº 362




















Fez um escarcéu, ameaçou deus e mundo, exigiu explicações. O engenheiro-agrónomo, folheando livros especializados na matéria, explicou que era assim mesmo: os resultados positivos da aplicação de métodos modernos e científicos exigem tempo e paciência.

Tempo e paciência, puta que os pariu! - exprobrou Venturinha, indignado. Mas terminou por se render aos argumentos do doutor Gusmão, um vaselina de primeira, porque, ainda uma vez, Natário recusou-se a tomar conhecimento das propostas renovadas e irrecusáveis para reassumir o posto de administrador.

Venturinha se magoou e se ofendeu com a recusa pois prometera ao cabra, ao Natário do coronel Boaventura, até comissão nos lucros; coisa nunca vista e reprovável na critica e correta opinião dos fazendeiros.

A cólera porta ao destempero: Venturinha falou, para quem quisesse ouvir, em deslealdade e usou a palavra traição.

Natário não respeitara sequer a memória do chefe e protetor, a quem tudo devia, e, em seguida à sua morte, pusera casa e financiara quitanda para Sacramento, rapariga do Coronel, corneando-o post-mortem, ignóbil felonia.

 Pronunciava post-mortem e felonia com o mesmo acento doutoral com que o agrônomo se referia ao theobroma cacao, árvore esterculiácea.

3

Ouvi umas conversas, não gostei, se precavenha - essa a mensagem do coronel Robustiano de Araújo, um tanto obscura, trazida pelo cabra Nazareno, homem de fé, que não soube acrescentar detalhes.

De início, o Capitão pensou tratar-se dos resmungos despeitados de Venturinha, já lhe haviam chegado às ouças e deles Natário se ria: zanga de menino mandão, quando for a Itabuna puxo-lhe as orelhas, emborcaremos um trago falando de mulheres e o amuo se termina.

Discorrendo, porém, sobre o assunto com Fadul Abdala, surpreendeu-se ao saber que o turco recebera, com pequena diferença de data, um papel escrito por Fuad Karan, vazado em linguagem alegórica, para não dizer poética.

 O felá planta no oásis um jardim de tamareiras, mas quem colhe os frutos é o zanguil; toma cuidado, meu bom Fadul, pois os frutos começam a sazonar - alertava em rebuscada caligrafia árabe.

O bilhete fora confiado ao tropeiro Zé Raimundo, veterano do atalho, para ser entregue, em mãos, ao bodegueiro.

Juntos quebraram a cabeça, Natário e Fadul, pediram o aviso de Castor Abduim, ainda assim não encontraram a chave da adivinha, capaz de expor à luz do entendimento o sibilino significado da embaixada do Coronel, da alegoria do letrado.

- Pra semana vou a Itabuna, tiro isso a limpo - Disse Natário
já então com a pulga atrás da orelha.

Que conversas seriam aquelas que desagradavam ao coronel
Robustiano? Precaver-se de quê? Qual o conceito para a charada de tâmaras maduras em que se esmerara Fuad Karan?

Somando o recado e o bilhete, tirado o noves-fora, o desenredo não devia ser coisa de somenos.

Para acompanhar o Capitão, antes compadre de tratamento, agora de verdade, depois do batizado de Nado, para estar com ele em Itabuna no bar, na pensão de Xandu, no cabaré, Fadul decidiu antecipar a costumeira viagem de negócios: encontro com os fornecedores, acertos de contas, renovação de estoque.

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