sábado, outubro 10, 2015

Não pode negar-lhe a beleza peregrina
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 359






















Fadul, aliás, desempenhou papel de destaque na cerimónia
do baptizado colectivo, tendo à sua direita Coroca que conduzia nos braços o menino Nado e, à esquerda, Bernarda, mãe comovida, formosa na saia rodada e na blusa de fustão, na mão uma vela acesa.

Reunidos os pagãos de todas as idades, entre os quais moleques taludos, vindos das fazendas, frei Theun os recebeu no seio da Santa Madre Igreja, fazendo-os cristãos.

Foi de um a um, impondo-lhes o sal e o óleo, molhando-lhes as cabeças na bacia cheia de água benta. Declamava as palavras do Credo: creio em Deus Padre Todo-Poderoso.

Pais e padrinhos as repetiam num vozear confuso, numa algaravia de feira livre.

Cumprindo promessa feita, o coronel Robustiano de Araújo e a esposa, dona Isabel, amanheceram em Tocaia Grande para testemunhar o batismo de Tovo, filho da finada Diva e de Castor Abduim: ali estavam, presentes, na hora dos santos óleos.

A negra Epifânia bordara um pano para a cerimónia e nele envolvera o irrequieto Tovo, declarando-se madrinha de apresentação, conforme o costume.

Alma Penada rosnou para o frade e tentou mordê- lo quando o menino abriu no choro ao sentir na boca o sal da sagração.

Incidente cômico, provocou risos. No caminho para a estação do trem, em Taquaras, após o batizado, acompanhados pelo cabra Nazareno, o Coronel e dona Isabel cruzaram com o séquito de Venturinha e por alguns minutos trocaram gentilezas em meio ao lamaçal.

Das alturas do selim sobre o burro Mansidão, dona Isabel contemplou a tal sicrana que viera das estranjas trazida pelo filho do falecido coronel Boaventura, saudoso amigo.

Não pôde negar-lhe a beleza peregrina, parecia uma estampa da Virgem Maria na fuga para o Egito, modesta e pura.

Essas, parecidas com santas, são as piores, comentou dona Isabel com o marido, ao prosseguir viagem. Quanto ao corpulento bacharel, não passava, a seu ver, de um peralvilho.

21

As noivas de maio, algumas prenhas, outras acompanhadas pelos filhos nascidos na abominação da mancebia, formaram lado a lado na plataforma diante do Cruzeiro, de frente para o altar.

Frei Theun ajudou na arrumação dos pares, cada par ladeado pelos padrinhos e madrinhas.

Tição Abduim torneara para as noivas rústicas alianças de metal. Risonho e animado pela manhã, durante o batizado, estivera sério e mudo à tarde, na ciranda dos casamentos, padrinho de Bastião da Rosa e de Abigail.

Epifânia do meio do povo o contemplava, preocupada: sabia que o negro pensava em Diva, com quem estaria se casando se a febre não a houvesse consumido.

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