sexta-feira, outubro 23, 2015

O mais certo é que nós perca
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 370

























- Vá falando, minha tia, estou escutando...

Antes de sentar-se, reforçou a dose nos canecos do negro e do turco e no seu próprio. Deixou a garrafa ao alcance da mão.

- Pois tão dizendo que nós tudo é criminoso, que tamos ocupando terra alheia sem ordem do dono.

- Isso mesmo. - Confirmou o filho: - Que nós é ladrão de terra.

Vanjé retomou a palavra:

- Que vão botar nós pra fora, que os donos tão para chegar, não  demora.

- Garantidos pelos jagunços... - Jãozé esclareceu.

- Com os jagunços... Os donos de Tocaia Grande, foi o que ele ouviu. Jãozé quis rebater, mas confirmaram o dito: é a lei que vai chegar.

 Por ser lugar atrasado, aqui não tinha, mas vai ter.

É verdade? Me diga, Capitão. Só acredito em vosmicê.

O capitão Natário da Fonseca pousou o parabelo no banco, demorou o olhar na face ansiosa da velha sergipana, logo engoliu o trago de cachaça, com as costas da mão limpou a boca:

- Tem gente querendo que seja assim, minha tia. Se nós deixar, vai ser.

- Troque isso em miúdo, Capitão, não tá chegando pra meu entendimento.

Os três irmãos, assim como Castor e Fadul, acompanhavam em silêncio o diálogo entre a velha e o Capitão, bebericando a cachaça devagar.

 Havia uma tensão no ar, tão forte e concreta, quase se podia tocá-la com a mão. Jãozé cuspiu, além da porta, uma cusparada grossa.

- Quantos anos faz que vosmicê chegou aqui com o finada Ambrósio e o seu povo? Me responda se entonces a terra tinha dono ou era devoluta?

Quando ocês ocupou ela, limpou a capoeira, começou a plantar mandioca, apareceu alguém pra reclamar dizendo que era o dono?

- Ninguém.

- Nem podia, pois nunca teve dono. Quantos anos faz?

Agora que tá limpo e plantado, tem casa de farinha, e ocês vende aqui e em Taquaras, botaram olho-grosso em cima.

Vosmicê não viu o caso dos fiscais? De quem eram os porcos que mataram?

Não eram de Altamirando? Mataram ele também. Diz-que é a lei, que nós tem de obedecer.

Agnaldo abriu a boca, chegou a dizer, com raiva: a lei, merda de lei, mas a Mãe não o deixou continuar:

- Espera, meu filho. Capitão, vosmicê disse indagorinha que eles toma conta se nós deixar, não foi? - Repetiu a pedir confirmação:

 - Se nós deixar?

- Isso mesmo, sia Vanjé. Os homens em Itabuna fizeram um caxixe e tão dizendo que esse casco onde nós assentou Tocaia
Grande tem dono, que tinha desde o começo. Essas terras dos dois lados do rio, onde fica os roçados que ocês plantou, junto com Zé dos Santos, Altamirando e sia Leocádia, e onde tão as casas que nós fez.

Os roçados e as casas que a enchente levou e ocês e nós plantou e fez de novo. Essas terras que era de ocês e de nós, dizque agora tem dono e que teve toda a vida. Está escrito e registrado no cartório. Só falta mesmo nós concordar.

- Concordar que eles tome a terra da gente?

- Preste atenção, tia Vanjé, atente no que vou dizer. Ocês também, Jãozé, Agnaldo e Aurélio. Ou bem a gente diz que ta certo e se entrega, faz acordo: ocês rica trabalhando a meação, eu fico pagando foro pelo outeiro, ou a gente briga pra defender o que é da gente.

- Será que vale a pena? -  Jãozé cuspiu de novo: - Nunca vi tanto jagunço.


- A briga vai ser feia... - o Capitão percorreu os sergipanos com os olhos miúdos, baixou a voz: - ... o mais certo é que nós perca.

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