Tocaia Grande foi nós que fez |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 371
Inda assim, Jãozé, sou de opinião que vale
a pena e o compadre Fadul mais o amigo Tição pensam o mesmo.
Nós decidiu que vai comprar a briga.
Demorou a vista na face da velha, marcada
pela vida.
- Tocaia Grande foi nós que fez, nós e
vosmicê, tia Vanjé.
E mais os finados Ambrósio e Altamirando,
a finada Merenda, os defunto que tão no cemitério. Estou mentindo?
Enquanto eu viver, ninguém vai abusar de
nós.
Agnaldo qui s
interromper, o Capitão fez um gesto pedindo-lhe paciência:
- Tou acabando, Agnaldo, depois tu fala.
Cada um é livre de fazer o que qui ser,
minha tia. Assim vosmicê como seus filhos.
Fazer trato, ir embora de vez ou pra
voltar depois, ou bem pegar no pau-furado.
- Por mim, sei o que vou fazer. Não vai
ser como da outra vez que elas não deixaram... — explodiu Agnaldo quase aos gritos.
Vanjé retomou a palavra, não alterou á
voz:
- Se lembra, Capitão, quando vosmicê
encontrou nós na estrada, corridos de Sergipe? Comigo era pela segunda vez, já
tinha acontecido com a terra de meu pai.
Sei o pensar de Agnaldo, ele nunca se
esqueceu. Não sei dos outros, cada um sabe de si.
Mas posso lhe dizer, capitão Natário, a
vosmicê que foi um pai pra nós: do proveito dessa terra que era mato fechado quando
nós chegou, não vou dar a ninguém nem meia nem terça. A ninguém.
E só saio dela morta. Os outros, eu não
sei.
- Nós faz o que vosmicê mandar, Mãe. Jãozé
se levantou, não podia deixar os roçados no abandono. Vamos trabalhar.
- Deus lhe pague, Capitão - disse Vanjé e saiu seguida pelos filhos. Mas
Aurélio, o mais moço, que durante o encontro não pronunciara uma única palavra,
deixou-se ficar para trás:
- Vosmicê me arranja uma arma, Capitão? Lá
em casa, só quem tem é Agnaldo. E eu não sou ruim de pontaria.
12
A lei, comadres e compadres. No cano da
repetição, no gatilho dos revólveres, na boca dos clavinotes, a lei se
anunciava.
Após a enchente e a febre.
Quem qui ser
pode ir embora, tomar rumo, ganhar a estrada, ficar de longe esperando que o barulho
acabe, para voltar de mansinho, o cangote baixo, a fim de receber a canga e
obedecer as ordens do senhor.
Quem qui ser
pode capar o gato, botar sebo nas canelas, arrebanhar os teréns e cair fora.
Não há mais lugar em Tocaia
Grande para os velhacos e os cagões.
Tendo decidido o que fazer, antes de tomar
as últimas providências, o capitão Natário da Fonseca, antigo comandante de jagunços,
cabra sarado, ora acompanhado de Castor, ora de Fadul, se não dos dois, foi de
casa em casa, nas duas margens, e explicou a cada criatura o que estava
acontecendo e o que iria acontecer.
A muitos, inclusive, por conhecê-los bem,
aconselhou a prudência e exortou à fuga; se lhes faltava o destemor, tampouco possuíam
as mesmas razões para assumir as armas e resistir.
Era mais difícil - ai, muito mais, sem
comparação! - do que enfrentar a enchente: mais mortal a lei do que a peste.
Só pagava a pena para aqueles que tinham
um pacto a honrar.
Um pacto com Deus, com o bom Deus dos
maronitas, era o caso de Fadul. Ou com a liberdade, era o de Castor. Com a
terra ganha com o suor do rosto, no caso de Vanjé. No de Coroca, um pacto
firmado com a vida. Ou quando alguém, tendo conqui stado
mando e autoridade, contraiu obrigações e deve cumpri-las. Era o caso do
capitão Natário da Fonseca.
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