Acertou no tampo da cabeça |
Tocaia
Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº
379
21
Depois de tudo passado, quando a lei já se
instalara e se fazia cumprir com o necessário rigor, muitas histórias se
contavam pelas estradas, pelos caminhos e atalhos da terra grapiúna, a respeito
do assalto e da ocupação de Tocaia Grande.
Conforme o noticiário dos jornais, o maior
e mais violento combate que ocorrera na região desde o fim das lutas pela posse
da terra, lutas que, por coincidência, tinham sido encerradas com a memorável
tocaia grande, acontecida no mesmo lugar, de onde o nome.
Nas caatingas do sertão, nos prados de
Sergipe, os cantadores empunharam as violas e trovaram os acontecimentos
medonhosos, rimando vingança com lambança, cupidez com intrepidez, de um lado
covardia e malvadeza, do outro valentia e inteireza, a iniquidade esmagando a
liberdade.
Se na imprensa da capital, com argumentos
em prol e contra cada folha exibia sua verdade, o contrário acontecia na
consonância e na versificação dos mestres do cordel: deu-se a condenação unânime
do massacre, numa evidente tomada de posição ao lado do povo de Tocaia Grande.
Expuseram às claras as causas da razia - a
inveja, a avidez de lucro, a imposição da força. Denunciaram heróis proclamados
pelas gazeta da situação, marcaram os vencedores com os estigma da maldade e da
violência e defenderam a causa dos vencidos.
Subversiva atitude de ignorantes, exposta em
rimas de indigência. Com faltas de metrificação e de gramática, as trovas
correram mundo, chegando a distantes comarcas da Paraíba e de Pernambuco.
Foram uma pequenina luz, um bruxuleio de
fifós a alumiar a face obscura.
Alguns nomes viram-se amaldiçoados, outros
exaltados nos rimances populares. Os versos falavam de injustiça e
intolerância, de hipocrisia e aleive, de sangue e morte, mas também se referiam
à beleza e à alegria.
A homens de coração leal, que haviam
erguido sua casa e plantado uma roça de feijão:
A casa do Capitão
Feita com amor e fé
O roçado de feijão
Da velha sia Vanjé
A "História Verdadeira do
Capitão Natário da Fonseca", de autoria de Filomeno das
Rosas Alencar, parente pobre dos eruditos Alencar dos estudos folclóricos,
descrevia os feitos de Natário.
Nem todos seriam verdadeiros como
anunciava o autor da narrativa, mas mesmo os inventados estavam na medida do
desassombro e da decência do curiboca:
Era um bravo capitão
Era um fero comandante
Pras mulheres, bom amante,
Pros inimigos, a maldição.
Contava como durante o cerco o Capitão era
visto em todos os recantos de Tocaia Grande, comandando e combatendo.
Somente ele liqui dara
uma data de facínoras e, dado por morto, prosseguira derrubando cabras a locé.
Com a bala derradeira, na pontaria justa, cobrara ao infiel o preço fatal da
traição:
Acertou no tampo da cabeça
Os miolos espalhando pelo chão.
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