terça-feira, novembro 03, 2015

Acertou no tampo da cabeça
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 379





















21

Depois de tudo passado, quando a lei já se instalara e se fazia cumprir com o necessário rigor, muitas histórias se contavam pelas estradas, pelos caminhos e atalhos da terra grapiúna, a respeito do assalto e da ocupação de Tocaia Grande.

Conforme o noticiário dos jornais, o maior e mais violento combate que ocorrera na região desde o fim das lutas pela posse da terra, lutas que, por coincidência, tinham sido encerradas com a memorável tocaia grande, acontecida no mesmo lugar, de onde o nome.

Nas caatingas do sertão, nos prados de Sergipe, os cantadores empunharam as violas e trovaram os acontecimentos medonhosos, rimando vingança com lambança, cupidez com intrepidez, de um lado covardia e malvadeza, do outro valentia e inteireza, a iniquidade esmagando a liberdade.

Se na imprensa da capital, com argumentos em prol e contra cada folha exibia sua verdade, o contrário acontecia na consonância e na versificação dos mestres do cordel: deu-se a condenação unânime do massacre, numa evidente tomada de posição ao lado do povo de Tocaia Grande.

Expuseram às claras as causas da razia - a inveja, a avidez de lucro, a imposição da força. Denunciaram heróis proclamados pelas gazeta da situação, marcaram os vencedores com os estigma da maldade e da violência e defenderam a causa dos vencidos.

Subversiva atitude de ignorantes, exposta em rimas de indigência. Com faltas de metrificação e de gramática, as trovas correram mundo, chegando a distantes comarcas da Paraíba e de Pernambuco.

Foram uma pequenina luz, um bruxuleio de fifós a alumiar a face obscura.

Alguns nomes viram-se amaldiçoados, outros exaltados nos rimances populares. Os versos falavam de injustiça e intolerância, de hipocrisia e aleive, de sangue e morte, mas também se referiam à beleza e à alegria.

A homens de coração leal, que haviam erguido sua casa e plantado uma roça de feijão:


A casa do Capitão
Feita com amor e fé
O roçado de feijão
Da velha sia Vanjé


A "História Verdadeira do Capitão Natário da Fonseca", de autoria de Filomeno das Rosas Alencar, parente pobre dos eruditos Alencar dos estudos folclóricos, descrevia os feitos de Natário.

Nem todos seriam verdadeiros como anunciava o autor da narrativa, mas mesmo os inventados estavam na medida do desassombro e da decência do curiboca:


Era um bravo capitão
Era um fero comandante
Pras mulheres, bom amante,
Pros inimigos, a maldição.


Contava como durante o cerco o Capitão era visto em todos os recantos de Tocaia Grande, comandando e combatendo.

Somente ele liquidara uma data de facínoras e, dado por morto, prosseguira derrubando cabras a locé. Com a bala derradeira, na pontaria justa, cobrara ao infiel o preço fatal da traição:


Acertou no tampo da cabeça

Os miolos espalhando pelo chão.

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