sábado, janeiro 23, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 161



















Ao ouvi-lo o Rato murmurou, olhando para Ramiro:

 - Este é como vós. Mal chegam começam logo a acusar-nos!

Indignado, Martinho enfrentou-o e vociferou.

 - Deus não admite esses pecados! Sois um uranista! Ides arder nos infernos!

O Rato riu-se com desdém e ripostou:

 - Deus também não admite que os bispos forniquem, e como sabeis, eles parecem coelhos!

O Ameixa e o Velho riram-se, bem como o Santinho, o Peida Gorda e mais dois cavaleiros que se tinham, entretanto aproximado.

Martinho compreendeu de imediato que seria impossível aqueles homens levarem em conta as suas palavras. Eram demasiado rudes para mudar.

Excepto Ramiro que ainda podia ser salvo.

 - Sois o novo chefe, espero que compreendais as vossas obrigações para com Deus e para com os homens! – disse-lhe.

Para o acalmar, Ramiro afirmou:

 - Estai descansado, padre Martinho. Tomarei providências.


Anos depois, o Rato contou-me que naqueles dias já andava irritado com Ramiro. Considerava-o um sonso e chamava-o de “lindinho”, pois tinha a certeza que ele tinha desejos semelhantes aos dele embora ainda escondidos.

Talvez o Rato tivesse razão. Seja como for, nessa tarde o mais importante que se passou foi algo que não foi dito.

Gondomar sabia que fora Paio Soares a esconder a relíquia com o conde, mas nunca o contou a Ramiro nem ao pároco Martinho de Soure. Se o houvesse feito, talvez ambos se tivessem empenhado mais em procurar a bruxa.

Se há coisa que continuo a encontrar nesta minha investigação é a permanente facilidade com que tudo podia ser descoberto e não foi.

As pessoas não falavam umas com as outras e o segredo ia sobrevoando todas elas, sem nunca se desvendar.




Coimbra, Julho de 1127


Há sempre um dia em que a vida das pessoas se pode complicar e tornar perigosa. Como me disse Zaida, com sua mãe Zulmira esse momento aconteceu quando ela ouviu Sanchinha de Trava a choramingar no berço, ao passar à porta do quarto da rainha.

Olhou lá para dentro e não viu ninguém, nem sequer a ama que ali costumava estar sentada. A bébé pareceu senti-la aumentando o choro e ela comoveu-se.

Entrou, pegou na criança ao colo e tentou acalmá-la. Estava com gases, mexia muito as pernas e Zulmira virou-a de barriga para baixo e pousou-a no ombro direito, para que a pressão dos seus ossos aliviasse a menina.

Dona Teresa ao entrar no quarto pouco depois, pareceu atingida por um raio ao ver Zulmira com a filha naquela posição.

 - Vós! Eu conheço-vos de Toledo!

A rainha tivera uma visão do passado, lembrara-se do seu irmão Sancho, em criança, e de uma mulher que também o pegava assim.

Poisai a minha filha no berço! – gritou.

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