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Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 49
Tieta, Leonora e Elisa preparam-se para ir ao encontro de
Ascânio, mas ele salta à frente de todos e se afasta no caminho de casa, em
marcha batida.
- Vai tomar banho. Depois de viajar na marinete de Jairo ninguém pode fazer
nada sem gastar água e sabão. Muito menos ver a criatura dos seus sonhos… -
esclarece dona Carmosina: - Daqui a
pouco bate por aqui .
Demoraram-se na Agência dos Correios, à espera. Aminthas vem juntar-se ao
grupo, comentam o diálogo já agora histórico. Aminthas acrescenta o diálogo
final: doutor Caio, lívido na madrugada, querendo falar sem poder, os olhos
fuzilando. Osnar e ele, Aminthas, saíram de mansinho, não fosse ele ter um
ataque de apoplexia.
O tempo passa, Barbozinha surge, traz uma rosa na mão, uma rosa chá. Ao ver
Tieta estende-lhe a flor.
- Colhi para você, no jardim de dona Milú, ia levá-la a casa de Perpétua mas os
meus guias dirigiram-me os passos para aqui .
Pena não ter mais três para homenagear todas as presentes.
- E Ascânio, vai aparecer ou não? – interroga Elisa, cansada de esperar.
Leonora, a criatura dos sonhos de Ascânio, na opinião de dona Carmosina,
aguarda em silêncio, olhos postos na rua.
Nem sinal de Secretário de
Prefeitura, de cavaleiro andante, limpo ou empoeirado. O jeito é mandar chamar.
O moleque Sabino, requi sitado,
abandona a sorveteria, vai correndo com o recado para Ascânio; esperam-no
impaciente na Agência dos Correios, venha rápido. Para matar o tempo vão tomar
sorvete de cajá, servido pelo próprio árabe.
Amanhã será de pitanga, difícil
saber qual o mais gostoso. Voltem para comparar e decidir.
Finalmente desponta na esqui na o
caleiro andante, o passo lento, a face descomposta, Cavaleiro da Triste Figura.
Mesmo antes de ele subir o degrau da porta da Agência dos Correios todos se dão
conta da derrota do campeão de Agreste na batalha travada em Paulo Afonso. Os
destroços do guerreiro, o fracasso da missão, o rosto em luto, sepulcral.
- Negativo, não foi, pergunta Aminthas – Eu avisei. Não havia nenhuma
possibilidade. Ainda bem que o motor vai aguentando: quando pifar voltaremos ao
fifó.
- Não se importe – disse Leonora, você fez o que pôde. Cumpriu o seu dever.
- Foi horrível, humilhante. O director da Companhia, o que fica permanente em Paulo Afonso , nem
queria me receber.
Tive que pedir e suplicar e por fim me atendeu. Nem comecei
a expor, me cortou a palavra. Não podia perder tempo, esse assunto do Agreste
estava encerrado, não havendo nenhuma possibilidade de instalação da luz da
usina no município.
A Prefeitura não recebeu o memorando, negando o pedido? Então? Não adiantava
falar com os técnicos, Agreste tem de esperar sua vez e não vai ser tão cedo,
daqui a alguns anos, quando levarmos
força e luz aos últimos recantos dos Estados servidos pela Hidrelétrica.
Agora,
impossível, meu caro. Não adianta argumentos, deixe-me trabalhar, meu tempo é
precioso.
Ascânio suspende o relato, abana as mãos. Onde o entusiasmo, o ânimo de luta?
Evaporaram-se, rolaram na cachoeira, esmagados pelo director da Companhia.
- No fim ainda me gozou. Tem uma única maneira, disse. Obtenha uma ordem do
Presidente da Companhia do Vale de São Francisco, do presidente, não de um
director igual a mim, mandando instalar luz em Agreste e no dia seguinte lá
estaremos. Passe bem. Riu e me voltou as costas.
Um silêncio pesado cai sobre a Agência dos Correios. A primeira a abrir a boca,
dona Carmosina:
- Filho da mãe! É por isso que eu sou contra essa gente.
Leonora aproxima-se de Ascânio:
- Não se aflija tanto, tudo no mundo tem jeito – os doces olhos plenos de
ternura.
Tieta levanta-se da cadeira onde ouvira em silêncio.
Ascânio, ainda sem graça, deprimido, explica o que é a Companhia do Vale de São
Francisco, a importância da Hidrelétrica de Paulo Afonso, termina citando o
nome do deputado que exerce a Presidência da grande empresa estatal, aquele que
manda e decide, o único a poder mudar planos estabelecidos.
Mas como atingi-lo? - Impossível.
Quem tem razão é Aminthas: mais do que importância económica, falta
a Agreste o prestígio de um grande chefe, alguém cujo pedido seja uma ordem.
Tieta repete o nome do deputado:
- Já ouvi falar mas não conheço pessoalmente. Mas, em São Paulo , não tem
político importante com quem eu não me dê – esclarece – Todos amigos de Filipe,
todos frequentam minha casa. Carmô, Ascânio me ajudem a redigir um telegrama.
Ou melhor, dois.
Pronuncia nomes ilustres, manda chuvas em São Paulo e no país. Dona Carmosina escreve.
Tieta pede que intervenham a favor do Agreste junto ao presidente da Companhia
do Vale de São Francisco, seguem-se as razões detalhadas por Ascânio mas a
principal é o interesse de Antonieta, o favor que lhe farão e ela ficará
devendo.
- Telegrama enorme – observa dona Carmosina – vai custar uma nota.
- A Prefeitura paga – adianta-se Ascânio.
- Quem paga sou eu, meu filho, que estou enviando. Carmô assine Tieta do
Agreste. Os amigos mais íntimos me tratam assim, era como Filipe gostava de me
chamar.
Ainda não haviam retornado a casa de Perpétua e já a notícia dos telegramas
abalava a cidade – dona Antonieta Esteves Cantarelli telegrafara a um senador
paulista e ao próprio Ademar, amigos do peito do falecido Comendador, pedindo a
instalação em Agreste da luz de Paulo Afonso.
Os comentários cívicos cobrem os
ecos do fescenino diálogo sobre os hábitos sexuais de Osnar; se as mensagens
telegráficas não resultarem em iluminação feérica, já terão servido à moral
pública.
Sucedem-se as hipóteses; possui a viúva realmente tanto prestígio, conhece,
trata, é íntima de senadores e governadores ou está fazendo farol?
Qual o
resultado: luz ou trevas?
Até apostas são feitas. Fidélio bota dinheiro no
sucesso, Aminthas continua pessimista, por que esses lordes de São Paulo se hão
de mover por Agreste, o cu do mundo? Dobra a aposta Fidélio.
Por quê? Tieta poderia responder que se moverão exactamente por serem lordes e
ela a Tieta do Agreste.
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