quinta-feira, fevereiro 04, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 181




















Ao sair por um túnel diferente daquele por onde chegara, a mulher de negro que sorria com malícia debaixo do seu capuz, gritara a Mem:

 - Não vos esqueceis também da promessa que me haveis feito!

Um ano antes, Mem concordara em salvá-la de um vago “fogo” que supostamente a iria queimar, mas só se aterrou com aquela profecia quando, algum tempo depois, ouviu os gritos e olhou horrorizado para o vale.

A bruxa, acabara de lançar a sua bola de fogo, confundindo Ramiro e o Velho, antes de desaparecer atrás de uma árvores.

Entretanto Fátima lutava com o Rato com um tronco na mão, mas Zaida e Zulmira não ofereceram resistência ao Peida Gorda, que lhes indicou a direcção da estrada.

As coisas estavam mais feias do outro lado. Abu Zhakaria, cerca de vinte metros à frente dos seus mercenários, já matara o santinho e caía agora sobre o Ameixa, que gritava aterrado, percebendo que também ia finar-se, pois Zhakaria era formidável com o alfange.

Trespassou a barriga do desgraçado, e depois baixou-se evitando uma flecha que Ramiro lhe disparara. Quando o templário se preparava para disparar outra, uma segunda bola de fogo explodiu ao seu lado obrigando-o e ao Velho a recuar.

Os dois correram na direcção do Rato que lutava ainda com Fátima. O Velho rasteirou-a e atou-lhe as mão atrás das costas e o Rato deu-lhe uma estalada, zangado.

 - Cabra mourisca! – gritou.

Ramiro colocou a rapariga aos ombros e os três homens tomaram o caminho por onde seguira o Peida Gorda, que levara Zulmira e Zaida à frente da sua lança.

De repente, ouviu-se um urro:

 - Fátima!

Esta desatou aos pontapés a Ramiro, e tal era a sua violência que ele foi obrigado a pousá-la.

Abu Zhakaria, a cerca de vinte metros, em cima de um penedo, repetiu o berro:

 - Fátima!

De olhar esgazeado, a rapariga tentou correr, mas o Rato pregou-lhe uma segunda estalada, que a fez tombar.

Nesse momento, ouviu-se um forte tropel e apareceu Paio Soares, a cavalo e de espada na mão, seguido por vários cavaleiros, obrigando os sarracenos a recuarem.

Depois de uma intensa luta, os soldados regressaram para junto de Ramiro e das mulheres, e durante mais de duas horas abriram covas para os mortos. Só no final é que partiram, com as mouras presas.

Mem disse-me mais tarde que ficara desesperado, pois sentiu que falhara, que as perdera.

Triste e desorientado regressou à caverna para procurar a bruxa. Não a encontrou e embrenhou-se na floresta a caminho da sua carroça e dos seus jumentos.

Quando chegou ao local onde os deixara, sentiu um cheiro enjoativo e colocou uma flecha no arco, receoso. Pé ante pé acercou-se da carroça e viu vultos deitados em cima dela.

Horrorizado, distinguiu os corpos dos leprosos que com ele haviam atravessado o rio de madrugada.

Via-se sangue por todo o lado, e Mem reparou que tanto as leprosas que se haviam juntado à barcaça, como o homem que os havia ajudado na gafaria estavam degolados, as suas cabeças amontoadas a um canto da carroça, com expressões disformes e terríveis.

Transtornado, desatou a vomitar e começava a recompor-se quando ouviu uma voz:

 - Foi ele, Mem, o assassin do califa.

A mulher de negro estava sentada no chão, encostada a uma árvore, a passar umas mesinhas nos braços, já sem o capuz.


Vamos ter que os cremar como fiz com o vosso pai – disse ela.

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