(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 69
DE COMO PERPÈTUA NEGOCIA A AJUDA DE DEUS PARA O TRIUNFO DOS SEUS PLANOS DIABÓLICOS
Anima-se a praia de Mangue Seco, no Domingo, com a chegada de uma quantidade de amigos sob o comando de dona Carmosina, espantosa e inconsciente no maiô lilás.
Até Perpétua se animara a acompanhar o grupo, o vestido negro, o luto
fechado. Dona Milú desparrama alegria: não vinha a Mangue Seco há mais de seis
meses.
Não por falta de convite, observou o Comandante Dário. É verdade,
convites não faltam e sobra o tempo, com a idade o que falta é disposição. Riem
da mentira: não existe pessoa tão disposta; os anos passam, Mãe cada vez mais
serelepe, confirma dona Carmosina.
Na lancha, Barbosinha tirara o paletó e a gravata, expusera-se ao vento
apesar do reumatismo. Certa noite subira aos cômoros com Tieta, declamando
versos escritos para ela, reunidos depois no livro de Poemas do Agreste (De
Matos Barbosa, Poemas de Agreste, Ilustrações de Calasans Neto, Edições
Macunaíma, Baía, 1953), formando a primeira parte do volume, intitulada
Estrofes do Mar Bravio, o mar bravio, a arrebentação de Mangue Seco e o corpo
aceso da livre pastora na chama do desejo.
Duas gloriosas noites de amor e
poesia, breves, transitórias. Os deveres de funcionário municipal obrigaram-no
a regressar à capital. Ela prometera esperá-lo, sempre prometia.
Alguns meses
passados, carta de Agreste dava-lhe a notícia da partida de Tieta. Somente
agora, vinte e sete anos depois, alquebrado e reumático, voltara a vê-la, mais
formosa ainda, opulenta, livre pastora, mar bravio.
Viúva, ele solteiro. Não
casara, teria sido por causa de Tieta?
Espera recitar-lhe nas dunas, ao luar, o
grande poema que em seu louvor vem de escrever. Nele a proclama estrela-d’alva,
sendo ele obscurecido astro de bruxuleante luz. Se unissem os seus destinos, no
entanto, renasceria o poeta, sol irrompendo no mar de Mangue Seco. Escolhera o
estilo condoreiro, bom para declamação.
Vieram Aminthas e Osnar, Fidélio e Seixas, comboiando Astério. O som
moderno invade Mangue Seco, substituindo a harmónica de Claudionor das Virgens
enquanto o trovador curte, em sono agitado, o pileque da véspera.
Onde está Ricardo? No primeiro momento, cercada, abraçada, beijada,
Antonieta não se deu conta da ausência do sobrinho. Mas, diminuída a confusão,
pergunta:
- E Cardo, cadê ele?
- Não pôde vir – explica Perpétua, contrafeita: - Padre Mariano foi
realizar casamentos e bapt izados em
Rocinha, vai duas vezes por ano, em Junho e Dezembro, levou Ricardo que mandou
pedir-lhe a bênção, ele lhe adora. Mas, sendo seminarista, teve de ir com o
padre.
Tieta não responde nem comenta mas Perpétua percebe-lhe a decepção no
franzir dos lábios e se alegra: a irmã rica sente a falta do sobrinho, está se
apegando aos meninos. Ainda bem.
- Todos ao mar! – o Comandante ordena e é obedecido.
Calções, maiôs, biquínis desfilam diante da reduzida população de
Mangue Seco. Ao contrário dos habitantes de Agreste, os pescadores não se
escandalizam com a incontinente exibição de coxas e barrigas, bundas e umbigos.
Ali, os meninos de catorze e qui nze
anos cortam as ondas nus, os corpos de bronze.
Única a não cumprir a ordem do Comandante – até dona Milú suspende a
saia e vai banhar os pés no mar – Perpétua busca na praia, em baixo dos
coqueiros, sombra defendida do sol e do vento.
Tira do bolso da saia o terço,
começa a passar as contas. No tempo do Major todos os anos vinham à praia, no
verão.
Vestindo decente traje de banho, enfrentava os perigos de mar; o Major
tomava-a nos braços a pretexto de lhe ensinar a nadar, mãos indiscretas,
arteiras.
Deleites passados, não voltarão. Cabe-lhe agora pensar nos filhos, no
futuro dos meninos. Viúva é mãe e pai, cumpre-lhe lutar. Os dedos nas contas do
terço, os lábios na oração, o pensamento nos planos concebidos, em via de execução.
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