segunda-feira, março 28, 2016

Assim Começou Portugal
(Domingos do Amaral))

Episódio Nº 224





















Depois, com um tom meloso, murmurou:

- Vós é que me agradais, desde que vos vi, em Viseu. Não me haveis tratado como os outros, como uma reles soldadeira, mas sim como mulher honrada.

Afonso Henriques sorriu ligeiramente e disse:

- Descendente de normandos... Deves ser uma lutadora feroz.

Elvira deu uma gargalhada, mas depois levou a mão à boca, aflita, temendo acordar as duas meninas que dormiam nos berços.

Vendo que elas continuavam serenas, exclamou:

Não posso crer que me temais!

O príncipe franziu a testa:

 - Não temo ninguém.

Elvira riu-se e provocou-o:

 - Estais muito sério.

Por razões que ela desconhecia ele irritou-se, e ela, emendando a mão, logo lhe perguntou:

- Quereis lutar também comigo?

Sem esperar pela resposta cresceu para ele, de punhos fechados, numa mímica de combate que o fez sorrir.

Assim gosto mais, murmurou Elvira.

Então, despiu vagarosamente a túnica e ficou nua em frente dele.



Nas horas seguintes, do outro lado da porta, a minha prima Raimunda foi-se destruindo por dentro, ouvindo os gemidos daqueles amantes, os seus risos e as suas sugestões.

Sem os ver, imaginou-os, estraçalhando cada vez mais o seu coração, e mergulhando num torpor negro e sinistro, que lhe roubou a alegria de viver.

Entregara-se durante anos ao seu amado, e quando por fim afastava a rival, Chamoa, Afonso Henriques encantava-se por uma descendente de normandos, que agora filhava, entusiasmado, dando-lhe palmadas no rabo, gemendo de prazer como nunca fizera por ela.

Dei-lhe tudo, Lourenço, e ele matou-me assim, quando quis outra.



Toledo, Julho de 1128


A viagem à cidade real de Afonso VII demorou três semanas e meu pai e a sua comitiva de acompanhantes – que incluía sua esposa Teresa de Celanova, eu, meus irmãos Afonso e Soeiro, meu tio Ermígio e minha prima Raimunda – cavalgamos preocupados, temendo pelas nossas sortes.

Já na capital dos reinos hispânicos cristãos, antes de sermos recebidos, meu pai propôs que todos vestíssemos túnicas brancas e nos apresentássemos de cordas ao pescoço.

Teresa de Celanova afligiu-se:

 - E se o rei decide enforcar-nos?

Pesaroso, meu pai murmurou:

 - É seu direito, é isso que temos de arriscar.

Teresa choramingou, mas meu tio Ermígio comentou:

 - Talvez a vossa presença comova o rei.

Porém, quando a nossa embaixada entrou na sala principal do castelo de Toledo, provocou uma perplexidade geral na corte de Afonso VII e Teresa de Celanova temeu que nem a sua aparição nos salvasse.

O monarca, julgando que estava a ser vexado, recebeu meu pai com desprezo.

Para que são essas cordas? - gritou

Estávamos em fila; meu pai à frente, seguido de sua esposa, e depois nós, seus três filhos, todos com os cordames à volta do pescoço.

- Afonso VII de Leão, Castela e Galiza: entrego-vos a minha vida, a de minha esposa e as de meus três filhos nas vossas mãos como penhor da promessa feita em nome do príncipe de Portugal, dado que não a cumpriu – disse meu pai, Egas Moniz.

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