(Domingos Amaral)
Episódio Nº 256
Parecia pouco interessado na história da
antiga relíqui a, mas nem eu nem
Gonçalo partilhávamos desse alheamento, pois a sombra do Trava naquela
artimanha enervava-nos.
Assim, pedimos a Chamoa que nos recordasse
a revelação que lhe fizera o marido na véspera do combate no campo de Ataca,
perto de Guimarães.
Nessa última noite, antes de ser ferido,
Paio Soares relembrara à esposa que, no longínquo ano da morte do conde D.
Henrique o acompanhara em batalhas contra os mouros, em Sintra, e numa ida à
cidade de Coimbra, para pacificar uma rebelião dos locais.
O conde Henrique trouxera algo de muito
valioso da Terra Santa, e durante essa estada na cidade à beira do Mondego
decidira fazer uma expedição secreta.
Saíra certa noite, apenas acompanhado de
Paio Soares e um terceiro homem, um padre. Os três tinham passado por Soure e
descido mais a sul, embrenhando-se em zonas perigosas, onde os sarracenos ainda
dominavam.
Um dia depois, chegaram a um ermitério,
próximo do rio Nabão, onde encontraram um velho e solitário monge, que o conde
conhecia há muitos anos.
Durante a tarde dirigiram-se os quatro a
umas velhas ruínas romanas, onde esconderam a relíqui a
e o conde ordenou que o sagrado artefacto ali ficasse até que seu filho, Afonso
Henriques, tivesse idade para reinar.
Só o príncipe poderia um dia vir a
recolher a relíqui a, para com ela
iluminar o novo reino de Portugal e liderar os cristãos, na luta contra os
infiéis.
Os quatro eram os únicos a conhecerem
aquele segredo. Ao monge era dado o estatuto de guardião do esconderijo, ao
padre o privilégio de avisar Roma e o Papa do paradeiro da relíqui a se Afonso Henriques morresse, e a Paio Soares o
dever de um dia, quando o príncipe tivesse idade para reinar, partilhar com ele
o segredo, caso o conde já não o pudesse fazer.
Depois de todos jurarem que assim seria, o
conde, o alferes e o padre regressaram a Coimbra, e nessa mesma noite Paio
Soares gravou no cabo do seu punhal e em latim o nome da arruinada e antiga
povoação romana onde a relíqui a
ficara escondida.
Quando, meses mais tarde, o conde faleceu
de forma imprevista em Astorga, envenenado por Dona Urraca, Paio Soares
compreendeu que eles não eram os únicos a saberem do segredo e que corria
perigo de vida, pois a rainha de Leão e Castela desconfiava dele.
Por isso se afastara para Maia, por isso
evitara ir a Lanhoso, e só depois da morte de Dona Urraca se reaproximara de
Dona Teresa.
Meu marido queria muito ter filhos varões,
mas nunca pensou que casar-se comigo iria gerar um conflito tão grave convosco
– constatou a pesarosa Chamoa, olhando para Afonso Henriques.
Durante mais de dois anos, Paio Soares
vivera dividido entre o amor a Chamoa, que o obrigava a lealdade a Dona Teresa
e ao Trava, e a antiga promessa que fizera ao Conde D. Henrique, de revelar ao
príncipe o paradeiro da relíqui a.
Infelizmente, nunca tivera coragem para
trair vossa mãe, como tantas vezes lhe pedi – lamentou-se Chamoa.
Afonso Henriques abanou a cabeça e
admitiu:
-
Eu também não ajudei.
A disputa pela rapariga galega, as
provocações do príncipe e a incapacidade de Paio Soares em mudar de partido na
guerra haviam conduzido ao desastre final.
Afonso Henriques ferira mortalmente o
mordomo-mor, em São Mamede ,
impedindo-o de lhe contar o que sabia e enfurecendo Chamoa contra ele e agora
tudo se precipitara, pois a única depositária do segredo revelara-o aos
inimigos dos portucalenses.
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