segunda-feira, maio 16, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)




EPISÓDIO nº 147
























TEU PARAÍSO, POETA, ESTÁ AMEAÇADO! CAPÍTULO ONDE A BOMBA EXPLODE



A crónica de autoria de Giovani Guimarães explodiu em Agreste no dia seguinte ao Natal. Bomba de retardamento, pois o número de A Tarde em que foi publicada datava de há três dias atrás, da antevéspera de Natal, quando o vate Barbozinha não havia ainda cometido o seu poema para a festa das crianças pobres.

A culpa cabe por inteiro à gripe que, retendo dona Carmosina febril sob os cobertores do leito, em suadouro, não apenas desfalcou a Comissão de Honra da dita festa, como impediu o comparecimento da exemplar funcionária à Agência dos Correios em dia de distribuição de correspondência. Substituiu-a dona Milú, cansada da maratona da manhã na Prefeitura, com pressa de voltar para junto da filha enferma. Entregou as poucas cartas àquelas pessoas que acorreram após a chegada da marinete, naquele dia atrasadíssima, deixou o resto, inclusive os jornais, para distribuir após o feriado.

A Tarde possuía cinco assinantes em Agreste mas o pacote continha sempre seis exemplares, sendo o sexto destinado a dona Carmosina Sluizer da Consolação, representante do jornal no município.

Todos os seis ficaram na Agência, atados com um barbante, como chegaram. Dona Carmosina se encontrava de tal maneira tomada pela gripe a ponto de não se interessar sequer pelos acontecimentos da festa na Prefeitura, quanto mais pela cansativa leitura dos jornais.

Amanheceu melhor no dia de Natal, sem febre mas ainda fraca, o corpo pedindo cama e repouso, dormiu quase toda a manhã. À tarde, recebeu a visita de Tieta e Leonora, acompanhadas do comandante Dário e dona Laura, além de Ricardo, que ostentava no dedo largo anel de ouro, com uma pedra de jade, de raro verde escuro, oval e lisa, peça de valor.

Tieta saía de casa pela primeira vez após a noite do incêndio. Algumas marcas das queimaduras, vermelhas, desagradáveis de ver-se, resistiam às pomadas e unguentos. Outra, que não fosse ela, esperaria a cicatrização completa antes de exibir-se em público, mas Tieta já não suporta permanecer em casa, deitada na rede, sobretudo em dia festivo.

Na véspera organizara uma ceia à maneira do Sul para a família e os amigos, após a missa do galo. Vieram Barbozinha, Ascânio Trindade, padre Mariano, Osnar, Aminthas e Fidélio. Seixas tinha compromissos com as primas.

O Comandante e dona Laura tampouco puderam comparecer. Todos os anos, desde que voltou a Agreste, o Comandante promove na véspera de Natal uma festa para os pescadores de Mangue Seco: a população não chega a quarenta pessoas, contando homens, mulheres e crianças.

Reúnem-se todos numa espécie de bródio comunal que se prolonga em animado arrasta-pé. Modesto Pires contribui para os gastos mas não participa da comilança, vai à missa do galo no arraial do Saco. Em compensação, a filha Marta e o genro Pedro confraternizam com os pescadores. Por esse motivo o comandante não aceitou o convite, prometendo, porém, vir com a esposa para Agreste na manhã do dia de Natal, a tempo de saborear, no almoço em casa de Perpétua, os restos do peru, as sobras da ceia. Nem isso Carmosina e dona Milú podem fazer; o máximo que Carmosina se permite é deixar o leito, estender-se na espreguiçadeira.

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