terça-feira, maio 17, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)





Episódio Nº 148






Tieta, precavida, trouxera de São Paulo pequenos presentes de Natal para a família mas, além disso, agradecida pela forma como a receberam e tratam, deu dinheiro a Zé Esteves e Tonha, a Astério e Elisa e cadernetas de poupança a Ricardo e a Peto, abertas em nome dos sobrinhos em banco de São Paulo.

 Ademais, a Ricardo, pela inestimável ajuda na construção do Curral do Bode, ofertou aquele anel, jóia do acervo do finado Comendador Filipe. As mãos carregadas, chegam, ela e Leonora, à casa de dona Milú. - Mais presentes? Não se contenta com o que nos trouxe de São Paulo? - Dona Milú abana a cabeça ao receber o leque japonês – Você não toma jeito, Tieta. - Até melhorei da gripe… - declara, animada, dona Carmosina admirando o broche de fantasia, vistoso. Não se demoram, Leonora tem encontro marcado com Ascânio, vão à matiné, e dona Carmosina, o rosto abatido, a voz rouca, ainda não está em condições de prosa longa. - Volte para a cama – ordena Tieta. – E não pense em sair amanhã. Se quiser, eu fico de plantão no correio.

 O Comandante propõe uma comissão de pelo menos cinco pessoas para assumir a responsabilidade de substituir a boa Carmosina: - Uma só não chega… - Não é necessário ninguém; amanhã é dia de pouco movimento, só tem mala depois de amanhã. 

Mãe dá um pulo lá, não precisa mais. No dia seguinte, depois do almoço, dona Milú foi entregar o resto do correspondência e os jornais, demorou-se a ver se aparecia alguém com cartas a enviar, matando o tempo a conversar com Osnar e Aminthas até por volta das quatro horas, quando fechou a porta e, levando consigo o exemplar de A Tarde voltou para casa. 

Quem por acaso precisasse de enviar telegrama, sabia onde encontrar a agente dos correios e Telégrafos. Bem mais disposta mas ainda guardando o leito, dona Carmosina ajeita os travesseiros, pondo-se cómoda para a leitura da gazeta. Relanceia os olhos pelos títulos de primeira página, reportagem sobre a carestia da vida, as dificuldades da população praticamente impedida de comemorar o Natal devido à alta dos preços.

Não somente das castanhas, das avelãs, das nozes, das amêndoas, do queijo de cuia, do bacalhau; também do feijão, do arroz, da carne-seca, tudo pela hora da morte. Virando a folha, na página nobre de A Tarde, a do editorial, dos tópicos e artigos importantes, matéria da sua especial predilecção: a coluna diária de Giovani Guimarães.

 Ao ver de dona Carmosina, ninguém supera esse cronista na graça do comentário galhofeiro ou no ferrete da crítica aguda às mazelas da sociedade de consumo. Bate os lhos miúdos no título da matéria e o que vê? Carta ao poeta DE Matos Barbosa, em letras negras e gordas, encimando as duas colunas em grifo, assinadas por Giovanni. O rosto da enferma se ilumina, exclama: oba!

Mas a alegria de ver o nome do amigo no alto da página transforma-se em agitada agonia apenas lê a primeira linha da crónica: Teu paraíso, poeta, está ameaçado. 

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