quarta-feira, maio 04, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)




EPISÓDIO Nº 137
























DE COMO PELA PRIMEIRA VEZ PAPAI NOEL DESCEU EM AGRESTE


Sentado à mesa de despachos do prefeito, Ascânio Trindade estuda o programa de festejos da inauguração da luz da Hidrelétrica, a ser apresentada à Câmara Municipal para a devida aprovação, em sessão próxima. Cabos e fios devem chegar a Agreste dentro de um mês, mais ou menos, segundo o cálculo dos engenheiros.

Ascânio pretende celebração à altura do evento – os postes de Paulo Afonso representam o primeiro, histórico passo do município no caminho de volta à prosperidade. Quem sabe, além dos engenheiros, comparecerá algum director da Companhia do Vale de São Francisco, um bam-bam-bam da política, do governo federal?

Primeiro passo também na afirmação pública do jovem administrador, futuro prefeito, subindo o degrau inicial de uma carreira fulgurante. Festa similar àquelas antigas, quando se deslocavam para agreste caravanas de ricaços e de políticos, vinham autoridades da Capital: discursos, banquetes, bailes, foguetórios, o povo dançando na rua.

Onde buscar dinheiro para tamanha despesa? Vazios, como sempre, os cofres da Prefeitura, Ascânio deve sair mais uma vez rua afora, de lista em punho, a solicitar contribuições. Fazendeiro, criador de cabras, plantador de mandioca e milho, Presidente da Câmara Municipal, indiscutível dono da terra há mais de cinquenta anos, o coronel Artur de Figueiredo encabeça todas as listas, seguido por Modesto Pires, cidadão ricaço e praça pública. Únicos donativos dignos de consideração, os demais revelam apenas a pobreza do comércio, a decadência da comuna.

Ascânio, porém, deseja e há-de marcar com inesquecíveis comemorações a noite em que a luz ofuscante da Hidrelétrica de Paulo Afonso substituir a mortiça electricidade do fatigado motor inaugurado por seu avô quando Intendente. Talvez possa, finalmente, em meio à alegria e entusiasmo, declarar-se à bela Leonora Cantarelli, pedindo-lhe a mão em casamento, noivo oficial.

Desde o regresso de Rocinha, quando, no lombo do cavalo, amargou a notícia comunicada por dona Carmosina e digeriu o hímen da paulista, Ascânio vive em permanente exaltação. Calcado o preconceito, reduzido a dormente espinho, a mau pensamento afastado de imediato todas as vezes em que nele reincide, a paixão crescera em incontornável ternura pela inocente vítima do monstruoso sedutor.

Crescera também a intimidade dos namorados, em repetidos e prolongados beijos, na chegada e na despedida. Acendendo o desejo, dando ao amor dimensão nova e maior.

Site Meter