sábado, janeiro 28, 2017

Mar me quer
3º episódio
















Todavia, ela tem razão. Minhas visitas são para lhe caçar um descuido na existência, beliscar-lhe uma ternura. Só sonho sempre o mesmo. Me embrulhar com ela, arrastado por essa grande onda que nos faz inexistir.

Ela resiste, mas eu volto sempre ao lugar dela.

 - Dona Luarmina, o que é isso? Parece ficou mesmo freira. Um dia, quando o amor lhe chegar, você nem o vai reconhecer...

- Deixe-me Zeca. Eu sou velha, só preciso ter um ombro.

Confirmando esse atestado de inutensílio, ela esfrega os joelhos como se fossem eles os culpados do seu cansaço. As pernas dela, da maneira como incham, dificultam as vias do sangue. Lhe icebergam os pés, a gente toca e são blocos de gelo. E ela sempre se queixa. Um dia aproveitei para me oferecer:

- Quer que lhe aqueça os pés?

Arrepiando expectativa, ela até aceitou. Até eu fiquei assim, meio desfisgado, o coração atropelando o peito.

 - Me aquece, Zeca?

- Sim, aqueço mas... pela parte de dentro.

Tentava um deslize na defesa dela. Mas levei tampa. Eu estava como essoutro que foi lavar a mão e sujou o sabão. Ou aquele que queria acertar a unha e cortou o dedo.

Com esta minha idade eu já devia conhecer os devidos procedimentos, as delicadas tácticas de abordagem. Mas não. Meu falecido avô sempre dizia:

 - Em novos só nos ensinam o que não serve. Em velhos só aprendemos o que não presta.

Mas é pena eu e a vizinha não nos simetricarmos. Porque ambos somos semiviúvos: nunca tivemos companheiro, mas esse parceiro, mesmo assim, desapareceu.

Sou mais novo que ela, mas já estamos ambos na encosta de lá em que a vida só mexe quando é a descer.

Hoje sei como se mede a verdadeira idade: vamos ficando velhos quando não fazemos novos amigos. Estamos morrendo a partir do momento em não mais nos apaixonamos.

E até que Dona Luarmina, aliás Albertina da Conceição Melistopolous, já foi bela de espantar a homenzarrada.

Sei isso porque testemunhei um flagrante dessa formosura dela. Foi uma certa vez que não fiquei só na varanda. Entrei em sua casa, sentei na saka grande com janela para o mar. Foi então que eu vi a fotografia. Era de uma moça de espantável beleza, corpo de aguar as mais mornas bocas.


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