(Mia Couto - Quando a prosa vira poesia...)
(Episódio Nº 7)
Pois, lhe digo, minha Dona. É uma pena a senhora
andar por aí fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar
um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga. Sabe o que faz?
Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha, estica a alma na diagonal.
Depois fica assim, caladita, rentinha ao chão,
até sentir a terra se enamorar de si. Digo-lhe: Dona: quando ficamos calados,
igual a uma pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra.
A senhora, num certo momento, há-de ouvir um chão
marinho, faz de conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita esse embalo, Dona
Luarmina. Eu tiro boas vantagens desses silêncios submarinhos. São eles que ma
fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do mar.
- Lá
criança, sim. Você há muito que esqueceu a idade.
- Sabe o
que dava jeito? Era a gente os dois nos combinarmos. Está a perceber, Dona
Luarmina?
- Ajuíze-se,
Zeca.
- Faz
conta somos verbo e sujeito.
- Já
conheço essa sua gramática...
- A senhora, minha boa Dona, nem sabe quanto
enriquece minha retina.
Luarmina nem destroca resposta. E com razão. Sou
um quem, eu? Um caçador de peixe que nem tem a quem contar suas aventuras. É
verdade, Dona, não posso nem dar lustro nas minhas mentiras’ será que são mentiras?
Se eu, que não testemunhei o que eu próprio relato, acabo me acreditando?
- O mar é que tem culpas – pois lá se esbatem os
limites – tudo ali pode ser. No mar não há palavra, nem ninguém pede contas à
verdade. Como dizia o velho Celestiano: onde sempre é meio-dia, tudo é nocturno.
Volto à mulher, Dona Luarmina. Nunca ninguém foi
tão vizinho. Porque ela quando não me está nas vistas está-me nos sonhos. Sempre
e sempre esta polposa e carnudona mulher.
O rabo foi quem mais lhe cresceu, cresceu mais
que as nádegas. Em tempos, ela acendeu prontidões masculinas. Mas agora está
apagada. Não para mim que me acendo em sua presença e ardo em sua ausência.
Ao fim de cada tarde, me encaminho para sua
casa. Engraçado o seu lugarzinho, só tem traseiras. Quase como a Dona. Porque a
gente para a contornar nem tem que dar a volta. Chega-se lá e estamos logo atrás.
Sento-me num velho tronco e fico olhando a mulher desfolhando-se:
- Mar me quer...
Depois, digo de mim para mim: quem dera eu meter
a mão nos remetentes dela! Uma dessas noites, estendido na esteira, até sonhei
que me apaixonei do assento dela e lhe desenrolava falas, as seguintes:
- Me deixe
apalpar nas suas nádegas, é um instantâneo tão brevezito que a senhora nem
precisa esquecer meu atrevimento.
- Qual?
- Como qual, Dona Luarmina?
- Qual das nádegas?
A arbitrária, Dona. Então a senhora não
recorda as contas da geometria? – a soma dos factores é arbitrária?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home