“O século XXI é a era dos populismos”
Muito antes de o populismo estar na moda e em destaque nos jornais e nas sondagens, já Cas Mudde o estudava. Este cientista político holandês radicado nos Estados Unidos é por isso uma das vozes mais autorizadas para ajudar a entender o actual estado da política.
O populismo é uma resposta democrática mas não-liberal à
situação corrente, explica Cas Mudde. E essa resposta quer corrigir excessos e
falhas da democracia liberal.
Para explicar as razões
da actual deriva populista, o cientista político holandês parte para o ataque: -
“A culpa é da social-democacia, que se converteu ao liberalismo
e abandonou o papel de alternativa. Esta reorientação à direita dos partidos
social-democratas é a principal razão apontada pelos estudos sobre o
crescimento do populismo e da direita radical.”
Em Portugal, por convite da Fundação Francisco Manuel dos
Santos, Cas Mudde apresentou o seu livro Populismo,”Uma Brevíssima
Introdução
Admite que há questões por responder:
- porque é que a alternativa ao liberalismo foi populista e não marxista?
- Porque é que a extrema-esquerda que resta tomou opções
populistas para se aproximar do poder?
“Essa ausência de resposta marxista é muito intrigante,
reconheço. Especialmente durante a crise, seria de esperar uma
revitalização muito forte da esquerda radical; a que aconteceu foi espelhada
apenas em dois partidos, o Syriza e o Podemos. Creio que em parte é porque a
maioria dos países não foi assim tão afectada; não estão bem em termos
financeiros, mas não estão a passar por uma crise da mesma forma que os países
do resgate.”
“O que é formidável”, diz, “é
o que se passou nos Estados Unidos. Bernie Sanders, embora não seja da esquerda
populista, criticou a estrutura neoliberal e teve uma imensa popularidade
falando de desigualdade e justiça social como ninguém na Europa o faz.”
“É quase irónico que o
crítico mais explícito do neoliberalismo seja um político da vanguarda
social-democrata de um país que nunca teve um partido social-democrata forte.”
Jeremy Corbyn, no Reino Unido, tenta fazer o mesmo. “Mas
de forma atabalhoada. Está a usar ideias dos anos 60 e o mundo é hoje
diferente, não se pode fazer exigências impossíveis na estrutura da União
Europeia. E é verdade que saíram da UE, mas continuam a estar numa Europa
dominada pela UE. Mesmo querendo ser um social-democrata da vanguarda, é
necessário recorrer a políticas modernas e Corbyn não demonstrou capacidades
nesse campo.”
Época dourada
E se a social-democracia abriu um caminho, o populismo foi
rápido a preenchê-lo. Na Europa continental há Marine Le Pen (França), há
Viktor Órban (Hungria), há Geet Wilders (Holanda), há Beppe Grillo (Itália).
Não existindo uma coerência
ideológica transnacional, há uma coincidência de propósitos.
“A maioria é constituída por grupos populistas da direita
radical, que combinam o nativismo, o autoritarismo populismo. Todos estes
aspectos têm por base a diferenciação entre ‘nós’ e ‘eles’, embora estejamos a
falar de coisas diferentes. No nativismo, a distinção é étnica: o 'nosso' grupo
étnico contra o grupo étnico 'deles'; no autoritarismo, distinguem-se as
pessoas cumpridoras da lei dos criminosos; e no populismo distingue-se o povo
da elite corrupt a."
"É possível criar diversas combinações a partir
destes três aspectos. O nativismo e o autoritarismo são frequentemente
associados. Por exemplo, o slogan de Geert Wilders é 'mais
segurança e menos imigração', ou aquele famoso cartaz racista do Partido
Popular Suíço, que ilustrava ovelhas brancas a expulsarem ovelhas negras e
o slogan era 'mais segurança'. Da mesma forma, o nacionalismo
e o populismo podem ser combinados. A direita radical populista dirá que a
elite do seu país está a traí-lo porque confere mais importância a Bruxelas;
existe sempre esta distinção, uma visão polarizante."O problema, diz, "é que
o anti-populismo também apresenta uma visão polarizante. Se olharmos para o
discurso dos liberais sobre o 'Brexit' ou sobre Donald Trump, vemos uma grande
polarização e moralismo.”
A dimensão positiva
Cas Mudde não vê apenas problemas. Quer no livro quer na
conferência de Lisboa, defendeu que os movimentos populistas cumprem um papel
útil no sentido em que forçam o debate sobre questões que as forças
maioritárias preferem evitar, para além de cumprirem a integração de franjas da
população que se excluíram do sistema. Mas essa não seria uma função dos
partidos tradicionais?
“Claro, mas eles não o fazem. Nos melhores casos, os
partidos populistas mostram a capacidade para integrar a população e os
partidos tradicionais apropriam-se desse aspecto e tudo fica bem. No entanto,
não é a regra. Em parte, isto é uma consequência de termos um número crescente
de grupos. A política tornou-se mais complexa e é tridimensional (social e
económica, autoritária e liberal, cosmopolita e nacionalista), o que cria novos
espaços e identidades diferentes. É possível navegar por essas identidades, mas não
sobrepô-las todas. O que isto significa é que vamos estar mais fragmentados,
mais divididos quanto aos partidos. Acredito que seria bom se muitos dos
partidos sociais-democratas fossem substituídos por partidos sociais-democratas
novos, que não carreguem consigo décadas de problemas. Isto altera os agentes
que actuam dentro do sistema. Eu acredito que é o que muitas pessoas desejam: -
mudança sem que o sistema mude.”
O que fazer
O corolário deste comportamento é o que Cas Mudde defende
como reacção ponderada ao populismo, sem exageros, abordando as raízes do
problema. Só que essa não tem sido a regra: -“Estamos a agir como se o
populismo fosse a voz da maioria e tal não é o caso em nenhum país do mundo. É
verdade que o populismo está a ganhar força e tem hoje mais força do que alguma
vez teve e isso significa que algo não está a correr bem. Das duas uma: ou
estamos a fazer algo mal ou então as pessoas têm ideias ou preconceitos sobre a
realidade que são problemáticas e então temos de abordar essas ideias." Por exemplo, diz, "muitas pessoas acreditam que a UE
é responsável por muitos regulamentos pelos quais não é – esta crença deve-se a
preconceitos nacionalistas que levam a uma desconfiança de organizações
supranacionais". Mas não há um discurso dirigido a essas pessoas.
"Limitamo-nos a dizer que são estúpidas e que têm ideias
desvairadas", sublinha. "As pessoas que manifestam islamofobia
acreditam que 25% da população é muçulmana, o que não é verdade, mas nós não
abordamos esse tema. Limitamo-nos a dizer que estamos perante islamofobia, o
que é estúpido. Faz-nos falta uma narrativa inspiradora, que seja capaz de
promover a democracia liberal pelo que ela traz de bom à sociedade.E faz falta uma
narrativa europeia! Vamos ter sempre pequenas minorias que não estão
satisfeitas com a situação actual. A democracia não aspira a um consenso
absoluto, rege-se pela vontade da maioria. Se um país for governado com base na
vontade de 60% ou 70% da população, a democracia está a funcionar bem."
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