sexta-feira, março 17, 2017

Mar Me Quer
(Mia Couto)


Episódio Nº 23










Luarmina levantou-se, atrapalhada. Rondou para trás e para diante como se procurasse não uma ideia mas coisa como se estivesse perdida na desarrumação do quarto.

De repente parou junto à cama e deu uma ordem:

- Levante-se Zeca.

Me admirei. E recusei incapaz de meximento. Mas ela insistiu, me repuxou, alavanqueando-me pelas axilas.

- Mas eu não aguento. Me deixe na cama.

- Deixe as conversas e me ajude a levantar-se, Zeca.

- Mas o que me quer fazer, Dona?

- O que eu quero fazer? Eu quero dançar consigo, homem.

Ironia do destino: toda a vida sonhei dançar com aquela mulher. Agora que ela queria, eu não podia. Luarmina ainda me arrastou como se eu fosse um saco cheio de coisa sem peso. Eu me esforçava mas os meus pés não se encontravam com os passos.

Até que ela me depositou, fardo falecido sobre a cama.

- Desculpe Dona Luarmina.

- Você está doente eu não devia ter forçado.

- Não é doença. Para nós, doença é outra coisa, não é isso que vocês brancos...

- Eu sou mulata, não esqueça.

- A senhora, para os indevidos efeitos, é branca. A verdade de minha doença é esta: estou sendo castigado por meu pai.

- Castigado?

- Porque não cumpri o pedido dele.

 - Isso não pode ser motivo...

- Não pode? Se fui infiel com a promessa que deixei. Não se lembra do que lhe contei? Eu Prometi que tratava dessa mulher dele. Prometi que lhe dava água, alimento...

- Mas você fez tudo isso.

- Não, não fiz nada.

- Fez, sim. 

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