sexta-feira, abril 14, 2006

A Europa, os valores e a família


João César das Neves não afirma que a sociedade europeia esteja em decadência, mas vai dizendo que essa é a opinião de observadores estranhos à Europa, provavelmente chineses, indianos, árabes, islamitas e não islamitas, africanos e outros que ele não esclarece concretamente quais sejam. E isto porque eles olham para uma Europa cheia de uniões de facto, casamentos fora da Igreja católica e com uma taxa de natalidade que não repõe os efectivos populacionais, mesmo recorrendo aos emigrantes e naturalmente não podem deixar de pensar, de acordo com J.C.Neves, que um povo que não é capaz de procriar suficientemente só poderá estar decadente.


Esta decadência da Europa que o Prof. não confirma mas também não desmente, e que coloca na boca de outros não europeus é o pretexto para denunciar a crise da família católica, núcleo base da sociedade europeia, como responsável, numa aliança inevitável aos métodos anticoncepcionais e mais concretamente à legalização do aborto como um crime não sancionado por lei porque, como adiantou o Sr. Bispo, um dos três portugueses mais importantes da actualidade juntamente com Durão Barroso e António Guteres (é só estrelas, algumas em rota de colisão..), quando o espermatozóide fecunda o óvulo temos uma semente com direitos iguais aos de uma vida humana, porque é nessa sementesinha que ela começa.


O Prof. António Barreto, que não concorda que a Europa esteja decadente, denunciou o Prof. João César das Neves por ter conduzido a discussão para o tema do aborto, que não fazia parte dos temas da agenda do programa para o qual foi convidado e que ele, o aborto, poderá ser “o problema” para J.C.N. apenas porque cada um coloca o verdadeiro problema onde mais lhe convém. Kant explica isso através da subjectividade, ou melhor, da intersubjectividade, e cada qual situa o problema consoante a sua perspectiva, formação, cosmovisão e até rendimentos mensais. Certamente, que um pedreiro ou um recém-licenciado desempregados terão visões distintas sobre o mesmo fenómeno.


A defesa intransigente da vida sem qualquer excepção a partir do momento da fecundação, constitui um ponto de honra da Igreja Católica, e o Prof. J.C. das Neves, um dos mais acalorados defensores dos preceitos e da fé da Igreja católica, não concede qualquer margem de liberdade à mulher e à mãe para decidir do seu corpo, seja em que circunstâncias forem. Será isto aceitável? Terá, porventura, C. das neves lido o tratado de tolerância do filósofo político John Locje? Cremos que não. Tanto mais que a igreja, a cuja posição ele defende e promove com unhas e dentes, cometeu no passado as maiores barbaridades contra os hebreus a viver em Portugal. Só em 1500 foram chacinados 4000 em Lisboa, deixamos aqui o link - Rua da Judiaria - que o blog que pode explicar a chacina em detalhe ao sr. professor.

É, sem dúvida, um tema sensível, delicado, pelo acolhimento que a defesa da vida humana, leia-se bebés, tem no seio da nossa cultura porque interromper o percurso da evolução de uma semente, seja em que momento for representa, inevitavelmente, não só uma interferência no curso biológico de um processo de vida a que é posto termo, como também um desrespeito a um dogma da Igreja de que a vida pertence a Deus e só ele pode dispor dela segundo desígnios que só Ele conhece e por isso J.C.N. bate-se por ele, qual cavaleiro do Apocalipse, certo de que a defesa da vida “tout cour” será sempre uma aposta ganha.

Deixemos, pois, esta questão de carácter filosófico e religioso importante destes pontos de vista e ainda das pessoas envolvidas no negócio do aborto, seja ele feito por parteiras isoladas sem as devidas condições ou nas clínicas especializadas, mas com pouca influência no decréscimo da taxa de natalidade europeia responsável pelo que se denominou de suicídio demográfico - que, em última análise, poderá conduzir ao receio de uma progressiva descaracterização da cultura europeia pelo aumento constante de populações oriundas de outras culturas e que irão, pouco a pouco, como que dissolvendo as características da nossa cultura.

Mas as verdadeiras e mais importantes razões para o decréscimo da natalidade na Europa foram identificadas muito correctamente como sendo a utilização e generalização do uso da pílula, a emancipação da mulher e a sua participação no mercado de trabalho com um contributo decisivo para o crescimento económico e aumento da produção da riqueza que desembocou num consumismo alienante, que do ponto de vista intelectual e espiritual, é um factor de empobrecimento. Tudo acompanhado pelo desmantelamento do mundo rural e a transferência das populações das aldeias para bairros subúrbios das grandes cidades.


Inevitavelmente, tão profundas modificações num espaço de tempo tão curto de três, quatro décadas que se traduziram em desenvolvimento, enriquecimento, melhorias exponenciais na qualidade de vida das populações não podiam deixar de ter repercussões na célula base da sociedade que é a família e os filhos que até então eram olhados como uma mais valia dos agregados familiares pois constituíam mais braços de trabalho, factores de produção, passaram a factores de consumo, encargos e responsabilidades para os pais quando não mesmo um estorvo que dificulta a liberdade dos progenitores e lhes consomem os rendimentos.

É o preço do progresso, possível pelos avanços da ciência e das novas tecnologias, e foi nesta direcção que os europeus quiseram avançar e fizeram-no em liberdade e em democracia e com preocupações de carácter social após uma 2ª G.G. Mundial que tinha sido um autêntico pesadelo com mais de sessenta milhões de mortos.

Talvez por tudo isto António Barreto não considera que esta situação corresponda a uma decadência da sociedade europeia, e eu estou de acordo com ele.

A Europa é um espaço de pessoas livres que vivem em paz, gozando de liberdade democrática, com direitos de cidadania assegurados, desfrutando de uma qualidade de vida que continua a atrair pessoas de todos os continentes seduzidas por todo este quadro que não sendo isento de problemas é melhor do que aquele que encontramos nos restantes países do mundo com uma ou outra excepção de algum paraíso perdido.

Naturalmente, quando se produzem alterações profundas e aceleradas no seio de uma sociedade os problemas são inevitáveis na medida em que tudo estava “montado” para funcionar de uma determinada maneira e quase de repente, em grande parte com os mesmos protagonistas, o “cenário” muda sendo que a vida tem que continuar sem tempo para ensaios e daí os choques, os sobressaltos e até os trambolhões.

Mas quando um continente inteiro de pessoas livres e com livre acesso a todo o conhecimento, com uma história riquíssima de experiências políticas, não consegue forjar as soluções que lhe abram as portas do futuro, mesmo com o actual impasse político da França e da Itália, não obstante o actual deserto de líderes políticos carismáticos, então quem será capaz de o fazer?

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