terça-feira, janeiro 04, 2011

DONA
FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS



Episódio Nº 311

Para aquela ameaça monstruosa, “vim para ficar”, havia apenas duas soluções: ou envenenar a pestilenta, e não tinha coragem para tanto, ou um milagre, e já não estamos em tempo de milagre. Engano do doutor, como bem sabemos e ele logo comprovou.

Menos de vinte e quatro horas após o desembarque, dona Rozilda regressava a Nazareth, correndo para o navio como se o inferno inteiro lhe mordesse os calcanhares. Não o inferno inteiro mas certamente Satanás ou Lucífer ou Belzebu, o Cão, o Sujo, não importa o nome e o título: o diabo, o pior deles, aquele que um dias fora seu genro para desgraça sua e de sua filha. Puxava-lhe o cabelo e uma vez a derrubara: o dia inteiro a lhe soprar nomes feios nos ouvidos, em xingos obscenos, ameaçando-a de tabefes e pontapés na bunda, propondo-lhe imundícies.

- Esta casa está mal assombrada, te arrenego! Não ponho mais os pés aqui… - denunciou arrebanhando as malas.

“Um milagre sucedeu, ainda é tempo de milagres…” – pensou humilde o doutor, não se achando merecedor de tanta graça, de mercê tamanha.

- O maldito anda solto, quis me matar… - tendo completado sua informação, partiu dona Rozilda às pressas, rua afora.

- Está caduca… - diagnosticou Teodoro, com alívio e competência.

Dona Flor sorriu em concordância com o doutor, solidária com seu desabafo, e em resposta ao piscar de olho de Vadinho. Na porta o tinhoso ria às gargalhadas, mas já um tanto imaterial e fluido.

Foi-se-lhe acentuando aquela palidez, Vadinho cada vez menos concreto, quase gasoso, transparente, e, em certo momento, dona Flor pôde ver através do seu corpo.

- Ai, meu amor você está-se esvaindo em nada…

Pela primeira vez, dona Flor sentiu Vadinho sem forças para agir, confuso e perdido. Onde sua flama, sua arrogância, sua picardia?

- Não sei, meu bem… estão me levando embora… Por mais que eu não queira ir. Será que tu não me desejas mais? Só tu podes me mandar embora. Enquanto me quiseres, me desejares, enquanto puseres em mim teu pensamento, estarei vivo e aqui. Flor, que fizeste?

Lembrou-se dona Flor do ebó. Bem sua comadre Dionísia lhe avisara. Cabia-lhe toda a culpa, pois recorrera aos orixás e suplicara que levassem Vadinho de retorno à sua morte.

- Foi feitiço…

- Feitiço? – a voz de água desfeita num sussurro.

Contou-lhe tudo, recordando a tarde de sábado, quando, já nos braços de Vadinho, tivera a honra salva por Dionísia de Oxóssi e, em desespero, encomendou o despacho. O babalaô se encarregara do trabalho, logo Didi que tinha a mão sob a cabeça de Vadinho, seu pai-pequeno. Que fizeste, Flor, minha flor perdida, e para quê?

- Para salvar minha honra…

De nada adiantara, de qualquer forma acontecera. Mais urgente do que o despacho fora a força do desejo desatado na lábia de Vadinho. Depois do acontecido, quisera dona Flor suspender a obrigação, mas era tarde, o sangue já correra em sacrifício.

Ah! Tu me mandaste embora, de volta me mandaste, não tenho outro jeito senão partir. Minha força é teu desejo, meu corpo é teu anseio, minha vida é teu querer, senão me queres eu não sou. Adeus, Flor, já vou embora, estão me amarrando com um mokan e se acabou.

Foi sumindo em sua vista, se dissolvendo em nada.

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