quarta-feira, janeiro 05, 2011

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio nº 312


Lá se foi Vadinho, território de combate na guerra dos santos, despojo dos orixás, egun sem cemitério.

Dona Flor, por que não aproveitas? É a tua última chance, tua oportunidade derradeira para a honra, a decência, o recato, a virtude, as leis morais da tua rua, de tua gente, de tua classe. Tens ainda essa porta de saída, o ebó encomendado por Dionísia e feito por Didi, o Asobá. Se bem nos custe apoiar em feitiços e orixás, abusões do povo, a salvação da moral em perigo, da virtude e dos preceitos da sociedade, da civilização, enfim, que outro jeito? O importante, dona Flor é te recuperares perante Deus e tua consciência, ovelha de volta ao bom redil, purificada. Perante os homens não é preciso, pois eles (felizmente) ignoram o teu mau-passo.

Se deixas Vadinho partir, será fácil esquecer aquelas poucas noites de descaração, a louca cavalgada e os ais de amor. Tudo isso pode ter sido tão-somente um sonho, um delírio de febre, uma alucinação ou apenas simples e tolos pensamentos nas horas vazias de uma vida inteira de decência e de felicidade. Nada te será cobrado, não terás remorsos, viverás em paz com teu esposo e tua consciência. A derradeira chance, dona Flor, de praticares a virtude, de permaneceres sustentáculo da moral, dos bons costumes. Deixa Vadinho em sua paz de morto, és ou não mulher honesta?

Para onde vais, dona Flor, e com que forças? Para que libertá-lo do não ser?

Sem amor não poderei viver, sem o teu amor. Melhor será morrer com ele. Se eu não o tiver comigo, irei em desespero procurá-lo em quanto homem passe à minha frente, buscarei seu gosto em cada boca, ululante, esfomeada loba correrei as ruas. Minha virtude é ele.

A cidade se elevou nos ares e os relógios marcaram, ao mesmo tempo, meio-dia e meia-noite na guerra dos santos: todos os orixás reunidos para enterrar Vadinho, egun rebelde e seu carrego de amor, e Exu sozinho a defendê-lo. O raio e o trovão, a tempestade, o aço contra o aço e um sangue negro. Deu-se o encontro na encruzilhada do último caminho, nos limites do nada.

Na crista do oceano, Yemanjá toda de azul vestida, longos cabelos de espuma e caranguejos. No rabo de prata três sexos lhe nasceram, um branco de algas, outro de verde limo, o terceiro de polvos negros. Com seu leque de metal, o abebé, abanou ventos de morte. Comandava uma frota de cascos de navio, um exército de peixes a saudava em sua língua muda, odeia!

As florestas curvaram-se ante Oxóssi, o caçador, o rei de Ketu. Naquela guerra, ele cavalgou três montarias. No arremesso da manhã um javali; o cavalo branco no arco do minguante, e de madrugada seu cavalo foi Dionísia, de suas filhas, a mais bela, a predilecta. Por onde passasse, com o ofá e o erukeré, morriam os animais, tudo quanto houvesse, numa guerra sem quartel.

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