sábado, agosto 20, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





Episódio Nº 184




15

Toda vestida de negro, semelhando bruxa de caricatura ou prostituta de bordel barato em noite de festa, Nina surge à porta do quarto, andando na ponta dos pés: para não incomodar, ou para se mostrar de imprevisto, surpreendendo um gesto, uma expressão, qualquer leve indício de alegria no rosto de Tereza, pois a sirigaita não poderá esconder indefinidamente o contentamento. Vai entrar na bolada, vai poder gozar a vida e, por Maios falsa e dissimulada que seja, há-de se denunciar.

Embora tão hipócrita, não conseguiu uma lágrima nos olhos secos, coisa fácil, ao alcance de qualquer. Na porta, Nina se debulha em pranto. O casal ia cumprir dois anos de emprego. Pela vontade do doutor há muito teriam sido despedidos, não tanto por Lula, um pobre de Deus, mas por Nina, de quem Emiliano não gostava:

- Essa moça não é boa bisca, Tereza.

- É ignorante, coitada, mas não é ruim.

O doutor dava de ombros sem insistir, sabendo o motivo real de Tereza para o desleixo e constantes mentiras da criatura: os meninos, Lazinho, de nove anos, Tequinha, de sete, cuidados por Tereza com desvelos maternais. Professora gratuita e apaixonada dos moleques da rua numa escolinha de brinquedos e risos, Tereza preenchera com estudo, aulas e crianças o tempo interminável das ausências do doutor. Lazinho e Tequinha, além da aula à tarde, com jogos e merenda farta, viviam boa parte do dia atrás da mestra improvisada, a ponto de irritar Nina, de mão fácil e pesada no castigo.

Quando o doutor estava, os pequenos vinham apenas lhe tomar a bênção, reduzidos ao pomar ou a brincar na rua com os colegas durante o recesso da escola. O tempo fazia-se curto para a alegria e a animação resultantes da presença do doutor; naquela festa não cabiam crianças e estando em companhia de Emiliano não necessitava Tereza de mais nada.

Mas, na ausência dele, os moleques da rua e sobretudo os dois da casa, eram os indispensáveis companheiros a fazer leve a pesada carga do tempo vago de amásia, impedindo-a de pensar no futuro mais distante se um dia a ausência se fizesse definitiva, se o usineiro dela se viesse a se cansar. Na morte não pensava, não lhe parecendo o doutor sujeito à morte, contingência dos demais, não dele.

Devido às crianças, Tereza suportava o desmazelo e a incómoda sensação de hostilidade por vezes evidente na criada; o doutor, com certo sentimento de culpa – filho não, Tereza, filho na rua, jamais! – fechava os olhos aos modos de Nina: invejosa, sonsa, oferecida a roçar no patrão os peitos flácidos, à menor oportunidade.

Pela manhã, ao sair do quarto, Emiliano Guedes enxergava Tereza no jardim, arrodilhada entre os canteiros, a brincar com as duas crianças, um quadro, fotografia para prémio em concurso de revista. Ai, porque tudo na vida tem de ser pela metade? Uma sombra no rosto do doutor. Ao vê-lo as crianças lhe pediam a bênção e se punham a correr para o pomar, ordens estritas.

Na porta do quarto, Nina faz cálculos difíceis: quanto tocará à amásia no testamento do velho milionário? (clik na imagem)

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