Teria ficado seca para sempre? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 203
Vanjé culpava as atribulações — os
sustos, a perda da casa e dos roçados, a visão do mano Agnaldo, mãos e pés
amarrados, apanhando de palmatória, a brutalidade e a indiferença pelo corpo
acanhado da menina, pelo seu jeito incoerente, ora triste, ora adoidada.
Chegara à idade dos quatorze anos sem
ter ainda embarcado no paquete da lua, sem ter deitado sangue, sinal de estar pronta
para marido e filho. Teria ficado seca para sempre?
Naquela
tarde já distante da chegada da família a Tocaia Grande, tendo recebido
alimentos oferecidos pelos moradores, provisões fiadas pelo turco, acenderam o
fogo no descampado para preparar o de comer. Antes da magra refeição, porém, as
mulheres foram se lavar no rio, estavam precisadas.
O
negro Tição lhes indicou o lugar chamado Bidê das Damas, nome posto por ele, um
remanso em meio à correnteza. Dinorá deu banho na criança e Diva desatou as
tranças.
Quando
o negro a viu de volta, lastimou que ela fosse tão menina. Solícito e cortês,
Castor fora buscar na oficina um pedaço de carne salgada para melhorar o
passadio. Depois comboiou as mulheres até a morada que fora erguida para
Epifânia onde ainda não se alojara outra rapariga.
Vazia
talvez por ser exatamente mais bem feita e bem cuidada do que as demais ou
porque contassem como certo o retorno de Epifânia, mais dia menos dia, Epifânia,
braba, brigona e mandingueira.
A velha Vanjé achou por bem ficar no
descampado junto ao marido e aos filhos: de qualquer maneira não caberia tanta
gente na choupana.
Assim, Castor conduziu as outras três: Dinorá
com o menino, Lia carregando o bucho cheio e Diva. Também Agnaldo foi com eles
no desejo de ver lia acomodada.
Alma
Penada latia para a lua que se desatava imensa das correntes do rio.
Coberto
por uma esteira, o catre de palha, largo como convinha às necessidades do
oficio - os embates, os desmandos e a festança - se desfazia no abandono.
Dinorá deitou o menino sobre a esteira, ao lado Lia se estendeu.
Agnaldo
catou gravetos, Diva acendeu o fogo, uma fumaça úmida se elevou. Denso lençol, o
calor envolveu o menino e a prenha, alvoroçaram-se percevejos.
O
negro desaparecera, nem dissera boa noite: Lia estranhou.
Mas
logo viram-no de volta: fora buscar na casa de pedra e onde vivia e trabalhava
uma rede grande e vistosa, suja pelo uso.
A
rede onde Tição recebia as raparigas, se aninhava com os xodós, a rede de Zuleica e de Epifânia, para citar
apenas duas.
Ele
mesmo a dependurou nas forqui lhas
cravadas nos extremos dá choupana:
-
Cabe as duas, é rede de casal. - Disse, dirigindo-se a Diva e a Dinorá.
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