terça-feira, junho 23, 2015

Se fosse só chuva... é a enchente.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 273


















11

Ao ouvir o estampido, Coroca precipitara-se para casa, entrou gritando por Bernarda. Não esperou que ela despachasse o freguês, arrebanhou o menino e partiu correndo, espadanando água, curvada pelo vento. Ao sair, avisou:

- Tou indo pra casa do Capitão, levando Nadinho. Ande depressa.

Bernarda a alcançou no começo dos degraus de pedra, arfante:

- Que chuva é essa, comadre? Nunca vi...

Coroca restituiu-lhe a criança:

- Se fosse só chuva... É a enchente, tu não se deu conta?

- Tava ocupada. Pra onde vosmicê vai?

Coroca dera meia-volta, Bernarda segurou-lhe o braço: a lama corria entre as pernas das duas mulheres, o vento as sacudia:

- Zeferina pariu inda agorinha, vou lá ver ela e a menina que nasceu. Ajudar no que puder.

No sopé da colina vultos se agitavam. Não passou pela cabeça de Bernarda deter a velha, ao contrário soltou-lhe o braço, aconchegou o menino contra o peito e, antes de retomar a subida, avisou:

- Deixo Nadinho com madrinha Zilda e vou lhe encontrar.

- É melhor tu ficar por aqui. Vai ter muito que acudir.

- Possa ser.

Coroca desceu equilibrando-se nos degraus escorregadios,
Bernarda prosseguiu na subida, Edu veio a seu encontro:

- Quer que ajude? Me dê o menino. Mãe tá lhe esperando.

- Precisa não. E tu? Tá indo onde?

- Vou pegar um burro pro mode ir avisar Pai que tá na Atalaia sem saber de nada.

Ouviram o barulho do palheiro desabando. Parados, tentaram enxergar na escuridão, o vento cortava como navalha.

Edu despencou pela ladeira.

- Corre pressa!

Bernarda retomou a subida; o menino choramingava. Da varanda destacou-se o vulto de Zilda, andou rapidamente para Bernarda, estendeu os braços para recolher a criança:

- Me dá meu filho.

Somente então, ao abrigar-se em casa dos padrinhos, Bernarda estremeceu de medo: não dos perigos da enchente, não era medo de morrer. Muito pior: teve medo da bondade, das abnegações da vida.

Bem Coroca lhe avisara: quando mulher-dama bota menino no mundo, um dos dois se prepare para sofrer. Ou o filho na desvergonha e no descaso dos puteiros ou a mãe partida ao meio, o coração fora do peito.

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