terça-feira, setembro 22, 2015

Não é por dinheiro nem a pulso que alguém se vai deitar comigo
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 343























- Como digo a vosmicê. Invadiu o quarto onde eu tava, alterado, sujo de baba, com bafo de bebida. Foi minha sorte.
Empurrei ele, caiu no chão, lançando. Não teve força de se levantar.

Só fazia dizer que ia me pegar. Fiquei com tanto medo que nem juntei minhas coisas. Fui apanhando à toa, até achar o lenço onde tinha amarrado um dinheirinho, e fui esperar o trem na estação.

 De Taquaras me toquei a pé pra ver Mãe e falar com vosmicê.

O Capitão não comentou, apenas os olhos fizeram-se mais apertados, na mesma medida do sorriso. Sacramento elevou a vista e o fitou de frente:

- Me agarrou, me derrubou, me bateu e me mordeu. Se ta duvidando, veja. - Mostrou os braços com nódoas roxas, no pescoço sinais de chupões e de dentadas.

Perdurou o silêncio de Natário. Quem sabe, pensou Sacramento, ele não achasse aquelas marcas suficientes para explicar a fuga.

Suspendeu a saia até o alto das coxas e as exibiu: manchas negras no lugar onde os joelhos de Venturinha, cidadão alto e corpulento, se haviam fincado na carnação morena e apetitosa.

Os olhos do Capitão demoraram-se a espiar, Sacramento baixou a saia mas não baixou a vista:

- Como é que eu ia querer me deitar com o filho dele?

Deus me livre e guarde! Quando entrou, me ofereceu dinheiro, disse que eu era bonita e mais não sei o quê. Pedi que ele me deixasse em paz e ele falou no Coronel, gritou que sabia tudo e que também queria.

Pedi de novo, pelo bem da mãe dele, pela alma do Coronel.

Mas ele já tinha tirado o paletó e a calça, foi quando me agarrou. Tava caindo de bêbado, foi minha salvação.

O capitão Natário da Fonseca não pronunciou uma única palavra, somente tocou com a ponta dos dedos o rosto tenso da moça e limpou-lhe uma lágrima na face.

 Sacramento tomou da mão que a afagava e a beijou:

- No trem vinha pensando em vosmicê. Afora Mãe, que não pode fazer nada, só tenho na vida vosmicê.

Baixou então os olhos novamente para o chão:

- Inda outro dia me lembrei de vosmicê, me lembrei tanto que lhe vi junto de mim me dizendo que é que eu devia responder a dona Misete.

O nome soou familiar aos ouvidos do Capitão:

- Conheço uma Misete, uma que tem pensão de rapariga na Ilha das Cobras.

- Me mandou um recado pra eu ir ser mulher-dama em casa dela. Foi aí que me lembrei de vosmicê e vosmicê me dizia que o Coronel não havia de gostar de me ver fazendo a vida.

 Era melhor ficar de criada na casa de dona Ernestina. Só que, com o doutor morando lá, não pode ser. Tomei o trem, saltei em Taquaras, me toquei praqui.

Cheguei inda agorinha, nem sei onde Mãe está. Mas vi vosmicê e isso me basta.

Voltou a fitá-lo para afirmar com a voz serena e firme:

- Não é por dinheiro nem a pulso que ninguém vai se deitar comigo.

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