(Domingos Amaral)
Episódio Nº 94
Mem desatrelou os dois jumentos,
amarrando-os a um carvalho e examinou a perna do que coxeava. Tinha um inchaço
um pouco abaixo do joelho, provavelmente de uma pancada numa pedra.
A estrada estava cheia delas, a carroça
andava aos solavancos e os jumentos nem sempre as conseguiam evitar. Foi buscar
um pó que lhe tinham vendido em Santarém e massajou o bicho no local da dor.
Depois, procurou uma zona onde a erva
estivesse baixa, para se deitar.
Estava a estender uma manta no chão,
quando viu uma luz ténue vinda das ruínas de Soure. Pensara em acender uma
fogueira para afastar os animais selvagens do carregamento e dos cansados
jumentos, mas decidiu não o fazer pois tinha consigo um arco e umas flechas, e
preferia atirar sobre um lobo ou um urso do que atrair a atenção dos
salteadores.
Agora, estava contente pela decisão que
tomara. Aprendera a usar o arco em Coimbra, durante os anos que lá vivera
depois da morte do pai, e tinha consigo flechas suficientes para derrubar
quatro ou cinco homens.
Aproximou-se das ruínas, mas mesmo andando
lentamente não conseguiu evitar bosta de animal. Talvez andassem por ali ursos
ou lobos, e aguçou os ouvidos.
Como estava muito escuro, teve dificuldade
em subir pelos destroços da muralha até encontrar local para se agachar.
A vinte metros dele, uma pequena fogueira
ardia, iluminando o interior daquela desastrada alcáçova. Porém, não viu ninguém
junto ao fogo, nem qualquer sinal de gente.
De súbito, sentiu uma rabanada de vento
sobrevoá-lo e estranhou. No céu, as nuvens que escondiam a lua moviam-se
lentamente.
Notou um ligeiro cheiro a âmbar, mas não
existia movimento de seres, humanos ou animais, atrás de si ou à sua frente,
dentro ou fora do castelo.
Começou a sentir-se ensonado e decidiu que
era melhor regressar para junto dos jumentos, mas o seu corpo parecia
estranhamente pesado e sem energia, e apoderou-se de Mem um receio agudo.
Todavia, era tarde de mais, um paralisante
cansaço venceu-o e tombou em cima das pedras.
A meio da noite acordou em frente à
fogueira e não se lembrava de como ali viera parar. Fixou as labaredas tentando
recordar-se.
Vira as nuvens, deitado em cima das pedras,
e depois sentira o vento e o cheiro... Uma vaga de terror assaltou-o, talvez
alguém tivesse roubado o seu ganha-pão.
Libertou um palavrão e, para seu grande
susto, ouviu nas suas costas uma voz:
-
Descansai, os jumentos estão bem e a carroça também.
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