sábado, outubro 17, 2015

Assim Nasceu Portugal
 (Domingos Amaral)


Episódio Nº 86



















À beira do rio da Loba, Afonso Henriques recordou a Chamoa as suas imperfeições de nascença. Viera ao mundo com as pernas curtas e tortas e a deficiência fora vista com mau presságio chegando Dona Teresa a considerá-la uma prova inexorável de que nunca haveria de parir um varão de jeito, razão porque se recusava a pegar nele.

Por isso foi entregue a terceiros, e o escolhido foi meu pai, Egas Moniz de Ribadouro, e a minha mãe, Dórdia Viegas.

Perto do local onde a nossa família vivia, corria um riacho, à beira do qual existiam as ruínas de uma igreja. Um dia, Nossa Senhora apareceu em sonhos a meu pai, benzeu aquelas águas e aconselhou a que lá se banhasse o aleijado menino.

Dórdia assim fizera, e o milagre das águas, bem como o amor da minha mãe curaram-no.

Ela massajava-o nas pernas, passava-lhe leite de cabra nos músculos, colocava-lhe mezinhas na pele e durante anos banhou-o no riacho, salvando-o com o seu carinho e com a ajuda de Nossa Senhora, a quem meu pai agradeceu, mandando construir no local o Mosteiro de Cárquere.

No final da narrativa, Chamoa revelou o seu espanto:

 - Haveis chamado mãe a Dórdia Viegas, que Deus a tenha.

Afonso Henriques olhou para o rio à frente deles.

- Uma mãe tem de estar perto dos filhos, de os amparar quando choram ou quando têm frio e medo, e de abraça-los quando estão felizes.

Dórdia fez tudo isso, foi ela a minha mãe.

Chamoa, um pouco a medo, perguntou:

 - E Dona Teresa?

O príncipe ignorou a pergunta, mantendo o olhar pousado nas águas que corriam suaves e lentas. Depois, afirmou:

 - O milagre resultou. Consigo correr atrás dos javalis, ainda hoje o fiz.

Os olhos verdes de Chamoa iluminaram-se, com ligeira malícia.

 - E atrás das moças?

Ele respondeu-lhe com solenidade:

 - Um príncipe não corre atrás de qualquer uma, só de quem quer.

Chamoa corou lisonjeada com aquelas palavras, mas deixou-se ficar em silêncio até que perguntou:

 - Vosso primo Mem Tougues, tendes afecto por ele?

A rapariga franziu a testa, mas aceitou que, sendo ele príncipe, decidia o que perguntava e ao que respondia.

Conhecemo-nos desde crianças, gostamos da companhia um do outro. É bom rapaz, garantiu.

Afonso Henriques mirou-a, mas ela desviou o olhar para o rio.

Sois amigos? – perguntou ele.

Chamoa, incomodada com a insinuação, continuou a admirar as plácidas águas.

Não como nas cantigas. E vós, tendes alguma amiga?

O príncipe negou mas adiantou que já conhecera mulheres.

- Soldadeiras? – inquiriu Chamoa.

A rapariga galega quis saber se haviam sido muitas, mas Afonso Henriques ignorou-a e declarou:

 - O Ramiro está enamorado de vós.


NotaConta a lenda, a propósito das imperfeições físicas de Afonso Henriques, que na tentativa de o curar, Egas Moniz terá levado a criança numa viagem entre Guimarães e Chaves para o tratar numas águas termais. Durante a viagem, que então levava uns 3 meses, o jovem Afonso morreu e Egas Moniz, tendo-se cruzado com um pastor que tinha um filho mais ou menos da mesma idade, mas forte e saudável, comprou-o e levou-o consigo para Chaves onde, durante 4 anos, o educou e preparou para ser rei.

A outra versão da lenda, é que ele era mesmo filho de Egas Moniz que teria sido pai na mesma altura que o conde D. Henrique que aceitara a troca do filho.

Uma coisa é certa, com os conhecimentos da época, não era possível recuperar uma criança nascida com as debilidades físicas de Afonso Henriques e transformá-lo no guerreiro forte e temível que foi o 1º Rei de Portugal.                              


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