Não esqueça o recado |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 364
Soltaram-no por fim, bastante maltratado,
e permitiram que montasse no burro em que chegara. Antes, porém, o desarmaram-no
- além do revólver abandonado, portava
punhal, navalha e um arsenal de balas - , e o desvestiram, deixando-o nu como
viera ao mundo.
Na
sela do outro animal, amarraram o corpo do finado matador de porcos e por
despedida o Capitão recomendou ao apavorado fiscal de ruas:
- Diga a quem lhe mandou que aqui , em Tocaia Grande , forasteiro nenhum põe o pé nem
mete a mão. Quem tá mandando dizer é o capitão Natário da Fonseca e a prova tu
tá levando.
Não esqueça do recado.
5
Finda a arrumação dos teréns
indispensáveis para a temporada na fazenda, Zilda veio sentar-se junto a
Natário, na varanda.
Os filhos, à exceção de Edu, na oficina
ajudando Tição, subiam e desciam a ladeira, conduzindo as trouxas e os baús de
flandre para o carro de boi, à espera, embaixo. Zilda permaneceu silenciosa durante
um bom pedaço, afinal abriu o peito e falou:
- Vou a contragosto. Arrepiava carreira,
se pudesse.
- Não vejo por quê. Pensei que tu tava
contente. Desde que a casa ficou pronta tu só fala em ir pra roça.
- Isso era entonces. Depois que os fiscais
apareceram por aqui , perdi a
vontade. O que é que ocê acha da vinda deles?
Do alto do outeiro, sentado no banco na
varanda de sua residência, o Capitão contemplava Tocaia Grande. Num dia
distante, quando nem o cemitério ainda começara, dissera ao coronel Boaventura
Andrade ao lhe ensinar a existência do vale desconhecido: "aqui é onde vou fazer minha casa, quando a peleja
acabar e vosmicê cumprir o trato".
Voltou-se para a mulher, fitou-lhe a face
em geral serena, naquele instante coberta por uma sombra de inqui etação.
Zilda nunca fora uma formosura mas tinha os
traços delicados e ainda lhe restavam, no rosto magro, uns laivos de juventude:
os anos e os filhos, os que parira e os que adotara, não tinham conseguido
quebrá-la, reduzir-lhe a têmpera e a disposição.
Levado por Peba, o papagaio Vá-Tomar-no-Cu passou
gritando palavrões de protesto. Mesmo nos momentos mais ruins de perigo,
durante os barulhos, Natário jamais lhe faltara com a verdade quando Zilda,
abandonando a contenção diária, indagava sobre contingências de barulho ou de
mulher.
- Pode não ser nada, não passar de
saimento do sargento Orígenes, querendo se mostrar, ou do Intendente, o doutor
Castro.
O Intendente de Itabuna continuava a ser o
mesmo bacharel
Ricardo Castro que, dez anos antes, depois
de ter servido o coronel Elias Daltro, se passara para o coronel Boaventura
Andrade, com armas e bagagens.
Suas armas e bagagens eram a subserviência
e a ambição: assim sendo, outro melhor para o cargo não podia haver e ele o
revezava com Salviano Neves, um parente de dona Ernestina, dentista prático.
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