(Domingos Amaral)
Episódio Nº 102
- Podemos voltar a passear?
- sugeriu Afonso Henriques fixando os olhos verdes da rapariga.
Chamoa corou batendo as
pestanas. O príncipe amava-a, queria voltar a encontrar-se com ela, e sentiu o
coração a acelerar. Nem queria acreditar no que lhe estava a acontecer, o seu
sonho de criança tornava-se realidade!
Eufórica, sorriu e aprovou.
- Sim, iremos ao rio da Loba.
Afonso Henriques mergulhou a
colher na escudela, enchendo-a de sopa e Chamoa imitou-o.
Os dois encostaram os
ombros, sentindo o calor do corpo do outro, e ela riu-se, divertida e enamorada.
O príncipe levou a colher à
boca, sorveu o líqui do e depois
sorriu-lhe, mas a rapariga franziu a testa. Com a mão direita pegou numa
napeira, que estava pousada na mesa, e ergueu-a à boca de Afonso Henriques,
limpando-a enquanto dizia:
- Tenho de cuidar de vós.
O príncipe piscou-lhe o olho
e acrescentou:
- Espero que a vida inteira.
Chamoa riu-se e corou de
novo, mas de repente alguém lhe lançou um elogio, talvez Gonçalo ou mesmo o
Braganção e ela distraiu-se, enquanto continuava a comer a sopa.
A seu lado, Afonso
Henriques, reparou que a mãe estava atarefada a verificar se as pedras
serpentinas mudavam de cor quando mergulhadas nos caldos de amêijoa ou
berbigão, vigiando possíveis envenenamentos.
Abanou a cabeça, e
piscou-lhe o olho, enquanto eu notava que o prudente Paio Soares não tornava
público o seu agastamento, pois um desaguisado com Afonso Henriques colocaria
em risco a sua eminente promoção a mordomo-mor.
Em esforço, só vendo as
costas de Chamoa, mordia o ciúme e conversava com o pai dela sobre a caça aos
ursos em Tui.
Na tenda, as agrestes
palavras de Teotónio, começavam já a ser esquecidas, até porque o Trava, sempre
sorrateiro, pedira aos taberneiros que juntassem menos água ao vinho, como se
fazia na Galiza, e os efeitos sentiam-se, nobres e senhoras falavam mais
depressa e riam mais alto.
A crueldade dos súbitos
suspende-se quando são bem tratados.
No final do jantar foram
servidos pão de ló e os biscoitos de flor de laranjeira, e Dona Teresa que se poupara no vinho sabendo
que ia discursar, levantou-se e informou a alegre assembleia que Bermudo,
marido da sua filha Urraca Henriques, seria o novo governador de Viseu, o que
originou as primeiras palmas da tarde.
O visado corou, ergueu-se e
fez uma pequena vénia à sua antiga esposa, agradecendo a honra, e depois beijou
a actual na face, o que a deixou também ruborizada.
Preparava-se Bermudo para
realizar um discurso de gratidão quando Dona Teresa, revelando o apreço que
sempre tivera por ele, mandou-o com um gesto, sentar e calar-se, o que ele fez
de pronto, mostrando a todos que nada mudara no trato entre os antigos, mas mal
sucedidos amantes.
De seguida, Dona Teresa
encarou Paio Soares que se levantou para que todos o pudessem ver, ao mesmo
tempo que sacudia do balandrau as migalhas e os bocados de comida, por forma a
que o seu reluzente tecido mais se realçasse.
A notícia foi esperada: iria
ser o Mordomo-Mor do Condado!
O senhor da Maia executou
uma vénia pomposa, agradecendo o título ao mesmo tempo que exibia a vestimenta,
provocando risinhos em Chamoa.
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