Lugar mais bonito para viver |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio N 382 – Último
Ali ficaram, crivados de bala, a veneranda
e influída estanciana - velha broca, murmurou o Sargento - e o invencível
estandarte do reisado.
Os jagunços seguiram em frente e ocuparam
o barracão.
Com o que, o sargento Orígenes Brito, da
Polícia Militar do
Estado da Bahia, delegado comissionado de
Itabuna, deu por cumprida a missão de guerra e passou a organizar, com os
cabras indóceis, a guarda de honra para acolher com as vénias devidas as
autoridades do município, a egrégia e garrida comitiva ainda à espera na Baixa
dos Sapos.
Somente depois da cerimónia do triunfo, o
Sargento liberaria seus comandados para o saque e a esbórnia.
24
No deslumbre da lua cheia cravada sobre a
terra violada, sobre o rio assassinado, sobre a morte desatada, na hora da
meia-noite, junto ao pé de mulungu, no alto do Outeiro do Capitão, Jacinta Coroca
e Natário da Fonseca, ela com a repetição, ele com o parabelo, na tocaia,
usufruíam a beleza da paisagem.
Lá em baixo, jazia Tocaia Grande ocupada pelos
jagunços e pelos cabras da Briosa.
- O melhor de tudo - disse Coroca - não tem nada que se compare, é aparar menino.
Ver aquele peso de carne saído de um bucho de mulher, mexer na mão da gente,
vivinho. Até dá vontade de chorar.
No primeiro que peguei, caí no choro.
O Capitão deixou transparecer nos lábios o
fio do sorriso:
- Tu pegou um bocado de menino. Tu virou
uma senhora dona.
- Nós mudou e cresceu com o lugar. Tu
também, Natário, não é o mesmo cabra ruim de dantes.
- Possa ser...
Houve um breve silêncio e, vinda do rio,
na noite estival, a viração os envolveu numa carícia morna e espalhou no ar o
perfume do jasmineiro.
Na voz serena de Coroca, o calor e a
brisa:
- Nunca vi ninguém gostar tanto de outra
pessoa, mulher gostar tanto de um homem, como Bernarda de vancê.
Ficou pensativa por um instante,
prosseguiu: - Acho que isso é o amor de que se fala. Sei como é, conheci mocinha
nova. Se chamava Olavo, me comeu os tampos, era fraco do peito, morreu botando sangue
pela boca.
Me lembro como se fosse hoje.
Chegou até eles o tropel da comitiva dos
notáveis Vinham da desolação da Baixa dos Sapos: nas choças abandonadas pelas raparigas,
os jagunços haviam-se entrincheirado, após liqui dar
Paulinha Marisca, única que ficara de guarda no puteiro.
Aprendera a atirar em Alagoas com os vários
pistoleiros da família. Na casa de madeira, nos barracos de adobe, o intendente
o Juiz o Promotor, o Mandatário e a álacre companhia, a corte alti-sonante, se
abrigaram, aguardando o momento da entrada triunfal.
Despontaram sob a claridade do luar, uma
cavalhada de se ver e bater palmas: gordos, fortes, garbosos, bem vestidos, bem
dispostos, traziam a lei para implantá-la. Jacinta Coroca apoiou a repetição no
galho da árvore.
O capitão Natário da Fonseca repetiu:
- Lugar mais bonito pra viver!
- Não há igual. - Concordou Coroca.
Montando um esplendor de égua, no centro do cortejo tendo de um lado o Intendente, do outro a divina Ludmila Gregorióvna, destacava-se o corpanzil do bacharel Boaventura Andrade Júnior, chefe político, mandachuva.
A cara aberta em riso.
Natário firmou a pontaria, visando a testa
de Venturinha.
Em mais de vinte anos, não errara um tiro.
Com sua licença,
Coronel.
25
E aqui
se interrompe em seus começos a história da cidade de Irisópolis quando ainda
era Tocaia Grande, a face obscura.
O que aconteceu depois - o progresso, a
emancipação, a mudança de nome, a comarca, o município, a igreja, os bangalôs,
os palacetes, os paralelipípedos ingleses, o intendente, o vigário, o promotor e
o juiz, o fórum e a cadeia, a loja maçónica, o clube social e o grémio
literário, a face luminosa - não paga a pena contar, não tem graça. Até mais
ver.
FIM
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